Um desafio permanente

A preservação de um Centro Histórico vivo, dinâmico, como é o caso de São Luís, é um trabalho permanente, cheio de grandes e intensos desafios, para enfrentar os processos de mudanças que a cidade, por força de ser uma capital, com o peso de sua história centenária, de quase quatrocentos anos, requer.

A multiplicidade de funções que esse Centro Histórico abriga, entre as quais estão as institucionais, as comerciais, as de serviços, as residenciais, tornam complexas as relações do cidadão com o espaço urbano, muitas vezes, impondo-se sobre a própria história da cidade, a despeito da lei e do interesse público de preservação.

Exigências de maior comodidade para deslocamento, para estacionamento, para acomodar adaptações de imóveis visando novos usos, para a busca de serviços, de transações comerciais, para o convívio humano, para outras atividades de natureza sócio-econômicas, constituem as grandes motivações do conflito entre os interesses do capital e o interesse público de preservar.

Tudo isso demanda ações que, inevitavelmente, vão se refletir sobre o sítio urbano, sobre o acervo de imóveis tombados, já que todo o Centro Histórico de nossa cidade é tombado. Em menor escala, por tombamento federal, sendo essa área aquela que abrange a parte do conjunto mais homogêneo e representativo do período imperial, a partir de onde a cidade se desenvolveu, guardando os rumos do traçado da primeira planta de nossa cidade, a planta do português Francisco Frias de Mesquita.

Em maior e complementar escala, por tombamento estadual, que fecha o perímetro de toda a área urbana da cidade que conhecemos, sem a ponte José Sarney, sem a Barragem do Bacanga, sem a Ponte Bandeira Tribuzzi, limitado pelo Canto da Fabril, pela Madre de Deus, pela Igreja dos Remédios, de forma mais genérica.

A pressão imobiliária para construir, para adaptar, visando novos usos, é intensa, substituindo uso residencial por uso comercial ou de serviços ou, simplesmente, visando acomodar conforto ao uso residencial como abertura de garagem, construção de um segundo piso, alteração da fachada, com novas formas ou produtos industriais.

Enfim, problemas é o que não faltam para os que se encontram envolvidos com essa missão, aqui e em qualquer lugar do mundo. O que difere é o grau de comprometimento da população com tudo isso, o rigor e a eficácia das leis que se destinam a assegurar a preservação, que é sempre feita em nome do interesse público de proteger a memória e a identidade de um povo, para servir de referencial para as atuais e as futuras gerações.

No início deste mês de dezembro, a cidade de São Luís comemorou os dez anos de sua inscrição como Patrimônio Cultural da Humanidade. Poucas cidades no Mundo têm o privilégio dessa distinção que as ressaltam aos olhos dos pesquisadores, dos estudantes, dos turistas, como relíquias que devem ser visitadas, estudadas, compreendidas e preservadas para servirem de referência material para as atuais e as futuras gerações, daquilo que o engenho humano foi capaz de conceber e edificar, para exercício de sua existência.

No curso desses dez anos, o município de São Luís cresceu, de forma veloz e, de certo modo, com planejamento insuficiente para contemplar ocupações urbanas ocasionais, intenso crescimento populacional, incremento de veículos novos em malha viária sem suficiente sem expansão; adensamento habitacional; degradação ambiental de áreas verdes, com acentuada poluição de seus principais rios.

Escrevi um artigo, em minha coluna de domingo, neste jornal, fazendo algumas considerações e propostas que vou repetir aqui, como forma de reiterar minhas idéias, submetendo-as ao crivo da opinião pública e dos gestores e técnicos que estão envolvidos com esse trabalho.

Considero necessária a realização de um seminário técnico, com vários dias de duração, para que avaliemos, com técnicos locais, nacionais e estrangeiros, nossa experiência ao longo de todos esses anos de preservação, retroagindo à década de oitenta, quando ele efetivamente começou.

Considero, ainda, necessário uma revisão no Plano Diretor da cidade, de modo a tornar mais claras e rígidas as regras de licenciamento, de obras, de parcelamento e uso do solo, no Centro Histórico. Com regras mais rígidas, os planejadores, os agentes públicos, os cidadãos, o mercado imobiliário terão parâmetros mais claros e duradouros a serem seguidos, numa política de preservação claramente definida.

A relação do transporte urbano com o Centro Histórico, por prejudicar a estabilidade das edificações tombadas, é outra questão séria que precisa de uma proposta de solução urgente, privilegiando o cidadão e a cidade. A esse respeito, tenho defendido uma proposta que venho apresentando, há algum tempo, pretendendo que o bonde seja considerado como uma possibilidade de transporte que contemplaria os cidadãos e a cidade.

Os bondes já existiram, historicamente, como transporte coletivo, em nossa cidade, envolvendo toda a sua área urbana, até o final dos anos sessenta, quando a febre de desenvolvimento os extinguiu.

O fato de terem sido movidos a eletricidade nos fornece o argumento fundamental de sua contemporaneidade: não eram e não seriam poluentes agora, nem do ponto de vista sonoro, nem do ponto de vista do ar atmosférico, uma vez que não produziam e não viriam a produzir resíduo químico nenhum. Além disso, tinham um custo barato para a população e eram muito bucólicos.

Os bondes de agora seriam bondes modernos, talvez mais compridos, com uma tecnologia mais moderna, com um conforto mais aprimorado, compatível com nossas necessidades de cidadãos modernos. Porém, com as características fundamentais de serem movidos a eletricidade, que temos em abundância e que não é poluente, contribuindo para a preservação da natureza, e para uma melhor qualidade de vida, a partir do ar que respiramos.

Tais bondes ficariam restritos ao Centro Histórico, circulando em suas áreas tombadas, levando e trazendo pessoas, em suas diversas linhas que poderiam ser as mesmas dos bondes de outrora.

Outra questão é a concessão de estímulos aos proprietários, à preservação do acervo tombado, e uma permanente campanha de educação sobre a importância de preservar todo esse acervo. A população está muito mais sensível e participativa. Mas esse trabalho não pode parar.

(Crônica publicada no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, Coluna: Hoje é dia de…, em 16/12/2007).

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