Sob as luzes do novo ano

O ano de 2007, daqui a dois dias, já pertencerá ao passado, com todos os fatos que imprimiu em nossas vidas, independente do conceito que deles possamos ter. O que foi esperança, o que foi desejo, muitas vezes ansiado, logo será simplesmente lembrança. Será lembrança e passado, respaldando os nossos passos presentes, projetando os nossos sonhos futuros e nos motivando a escrever nossos destinos, de forma renovada.

Cada novo ano faz renascer novas esperanças, quase de forma coletiva. E como faz bem poder olhar para o ano que passou e avaliar o que colhemos de nossa semeadura. De qualquer modo, é quase um milagre que estejamos vivos, entre viagens de avião e carro; dirigindo no trânsito das cidades; andando entre balas perdidas, nas áreas urbanas das metrópoles; vivendo na insegurança das ruas, sob ameaças de crianças, de adolescentes, de adultos, nos semáforos das esquinas, nos estacionamentos. Como cantaram Os Mutante: “Atenção/ tudo é perigoso/ tudo é divino-maravilhoso…”

Cada dia é uma vida nova e nos convida a novas utopias, levando-nos à compreensão de que somos seres emergentes, propensos a nos descobrir, a nos desenvolver como pessoas, a amar, a buscar a nossa transcendência.

Os dias que se sucedem vão registrando os referenciais de nossa vida presente, dando-nos a oportunidade de repartir com outros, um pouco da luz que conseguimos absorver, em nossa trajetória pessoal. Para onde vão nossos passos? Para onde levamos nosso amor, nosso ódio, nosso perdão, nossa iniquidade? Para que servem os instantes de êxtase, de perplexidade, de encanto e prazer, em que nosso corpo e nossa alma mergulham, ao longo de nossa existência temporal?

Estamos a serviço de quem, a serviço de quê, no curto tempo de nossa permanência na Terra? Estamos a serviço da vida, talvez. A serviço de um aprimoramento espiritual, de um aprimoramento humano, na essência de nossa espécie evolutiva. Estamos a serviço do ser e do tempo, a serviço de Deus, assim como Deus está a serviço de todos nós.

Nossos ancestrais não amaram, certamente, como amamos, porque não tinham o acervo de conhecimento que hoje dispomos sobre nós mesmos, sobre o amor e sua complexidade. Não tinham a compreensão que temos, hoje, sobre as forças cósmicas do universo em movimento, com seus campos magnéticos, suas emanações de luz, suas distâncias e proximidades, suas forças em constantes movimentos, que a tudo e a todos nos possibilitam viver.

Dessas lições cósmicas, talvez a mais permanente, a mais profunda e mais essencialmente útil para nós, seja a compreensão de que tudo no universo é movimento e que, a cada milésimo de segundos, os cenários da ordem universal mudam e não se repetem nunca, da mesma maneira. Vivemos num mundo de exclusividades, de unicidades paisagísticas que se transferem para todas as espécies vivas.

Somos seres únicos no mundo. Isso já nos dá a exata dimensão de nossa importância pessoal, da relevância de nossa vida para a compreensão de outras vidas, para a celebração da supremacia humana sobre todas as outras criaturas vivas que Deus colocou na face da Terra. Além disso, de todas as suas criações o homem é a única que pode raciocinar, formular conceitos e teorias, conhecer intelectualmente qualquer aspecto de uma realidade.

Como é útil poder raciocinar que toda a realidade física, em torno de nós, muda em segundos e que nós, por força dessa mudança, também mudamos sob o aspecto físico, emocional, sentimental, procurando, mesmo sem sabermos, nos adaptar às novas condições do meio e a ele sobreviver, buscando realizar nossa destinação para o amor e para a liberdade.

Além de cada um de nós, no entanto, está nossa alma coletiva. Essa alma coletiva traduz anseios, esperanças que muitas vezes nem sabemos que possuímos, mas que estão latentes em nossos atos, nos atos de nossos semelhantes e que, por isso mesmo, nos irmanam. Por isso mesmo, também, nossa alma coletiva nos transcende, é maior que nós e se projeta por gerações, se transformando em códigos genéticos e orais que determinam o caráter, a índole de um povo, com todos os seus usos e costumes.

A cidade em que nascemos tem esse dom de ser receptáculo de todo esse código ancestral, de ser o ponto de referência principal daquela parte nossa que não nos pertence porque está irmanada às outras almas, ao longo do tempo, no universo.

Nossa vida não nos pertence isoladamente. Pertence ao acervo de nossa espécie humana. Somos seres transitórios. Apenas as cidades são permanentes; transcendem os séculos, como testemunhos vivos de tantos anseios, códigos e tempos que se dobraram, nos calendários finitos dos homens.

Abrindo nossas janelas pessoais para o novo ano, nos mostraremos mais coletivos aos olhos e aos sentimentos dos nossos semelhantes e poderemos, mais facilmente, ser iluminados pelos focos de suas luzes positivas, enquanto iluminamos seus espaços de sombra. Renove, portanto, seus sonhos, suas esperanças, para o novo ano, buscando corrigir rumos e aprimorar resultados, na compreensão de sua importância para as luzes do mundo, para a vida e a felicidade de seus semelhantes. Amar a cidade é reconhecer-se um ser coletivo e repartir-se com os outros. É preciso amar a cidade.

(Crônica publicada no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, Coluna: Hoje é dia de…, em 30/12/2007).

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