Estímulos à violência juvenil

A comunidade européia está tentando proibir a comercialização, nos países que a integram, de jogos eletrônicos que estimulam a prática da violência. Uma decisão como essa, em países onde a economia de mercado é pilar inamovível da democracia, não poderia ser buscada senão depois de muito estudo, de muita constatação, sobre a nociva contribuição desses jogos para a construção de uma cultura de paz.

A grande maioria dos jogos eletrônicos, disponível no mercado e consagrada pelo público juvenil, representa verdadeiros treinamentos para a prática da violência, para o ato matar. Esses treinamentos são mais eficazes e perversos, ainda, porque tais jogos são interativos, fazendo com que a criança que os está manipulando aponte e dispare a arma, matando, destruindo tudo o que aparece como alvo móvel. Além de tudo, suas imagens e cenas são de um realismo impressionante. Não tenho dúvidas que as crianças que crescem treinadas, assim, vão banalizar a vida, a morte, e matarão sem piedade, sem se sentirem culpadas de nada, como se estivessem jogando vídeo game. A realidade da vida está mostrando isso, no mundo inteiro.

Na sociedade americana, onde as crianças têm acesso mais fácil a computadores e a esses jogos, inúmeros têm sido os casos de crianças que, inexplicavelmente, executam colegas com armas de seus pais, mostrando que as fronteiras psicológicas da violência são mais amplas e mais imprevisíveis dos que podemos supor.

O quê leva uma criança de onze, doze, treze anos, de família de poder aquisitivo elevado, matar colegas de aula, a tiros de revólver ou rifle, sem qualquer motivo aparente? Por outro lado, identificado o motivo subjacente, e sempre haverá, que motivo seria tão grave para justificar atitude tão extrema, por parte de uma criança?

É necessário indagar quais modelos estão servindo de estímulos, de inspirações para esse tipo de comportamento. Quais? A criação, os métodos de resolver conflitos domésticos, adotados pelos pais? Os filmes que a televisão veicula, o noticiário que ela apresenta? Os livros, as revistas? Os jogos eletrônicos? Fator genético?

A resposta mais adequada seria, talvez, um pouco de cada coisa, com agravante para os jogos eletrônicos, que pedem um agente ativo, que é a criança, para comandar as chacinas que ali acontecem. O agente sente a emoção de escolher alvo móvel, de perseguir, de ser perseguido, de atirar e matar, de usar métodos violentos para resolver conflitos pessoais e sociais.

A violência, por ser instintiva no ser humano, independe da condição social e econômica dos povos. Ela permanece em estado de latência e pode ser exercitada, a qualquer momento, por apelo de uma situação que a estimule.

Os fatores sociais são condicionantes de comportamentos violentos. Eles não são, no entanto, determinantes da violência na espécie humana. Ela é inata no homem e está ligada, biológica e ontologicamente, à sua história social, passando por todos os estágios de sua evolução.

Os jogos eletrônicos estão sendo instrumentos de treinamento para as crianças, na prática da violência pessoal e urbana. Estou convicto que não devemos nos omitir. Por isso, mais este artigo, pretendendo uma tomada de consciência e a deflagração de atitudes que nos levem à proibição da venda de tais jogos, quando violentos, em nome da sociedade atual e do futuro.

Mas essa tarefa, dado a abrangência de sua ação, e os interesses econômicos que a envolvem, é uma tarefa para ser formalizada por nossos senadores ou deputados federais, através de projeto de lei, objetivando a segurança, a proteção das crianças, dos adolescentes, da sociedade brasileira, como um todo.

Com o Estatuto do Desarmamento, está afirmada a prática de uma política pública, federal, contraposta à violência no conjunto da sociedade brasileira, como forma de proteção da vida. A compra, a guarda, a devolução, a proibição e o porte da arma de fogo estão ali disciplinados, de modo assegurar maior proteção cidadã.

A essa política federal devem estar aliadas políticas públicas estaduais e municipais, que constituirão a grande base sobre a qual viremos assentar as campanhas e as práticas de uma cultura de paz, incluindo a educação familiar e escolar, como premissas indispensáveis à adoção de novas práticas culturais.
Portanto, é necessário que nos empenhemos para dar uma formação mais adequada a nossos filhos, a partir do ambiente de nossa casa, de nossa família. A cada dia, devemos nos sentir mais responsáveis pelos destinos da espécie humana, pela segurança de cada cidadão, do conjunto da sociedade, buscando ressaltar valores que engrandeçam a nossa espécie, evitando aqueles que contribuam para sua degradação social.

Devemos, portanto, estar atentos para não darmos exemplos de violência em nossa própria casa, nos métodos de disciplina familiar que estabelecemos para a educação de nossos filhos, e em nossa relação conjugal. Do mesmo modo, os brinquedos, com os quais lhes presenteamos, não devem representar um estímulo à violência como armas, jogos de combates e destruições, pela seqüela psicológica que essas práticas repetitivas, podem produzir, gerando adolescentes mais motivados para a prática da violência social. Amar a cidade é praticar uma cultura de paz e proteger as crianças, e os adolescentes, da violência estimulada pelos jogos eletrônicos e outras práticas. É preciso amar a cidade.

(Crônica publicada no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, Coluna: Hoje é dia de…, em 20/01/2008).

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