Uma estrela nova que se acende

Pepete estrela nova

A notícia da morte do cantor, compositor e instrumentista, Papete nos abateu a alegria, enchendo de grande tristeza a manhã de quinta-feira, 26 de maio. Era um amigo, morando distante; um companheiro de geração; um amante e praticante da arte musical; um apaixonado por nossa cidade e suas tradições culturais. Trabalhou para divulga-las e engrandece-las, projetando compositores e imortalizando canções.

Conheci-o nos anos setenta, apresentado por Chico Saldanha, quando compôs sua primeira música “O Bonde”, lamentando a retirada dos bondes das ruas de nossa cidade.  Seguiu, depois, para São Paulo onde fixou residência e construiu fama, como instrumentista, nacional e internacional.

O disco Bandeira de Aço, reunindo canções inéditas, de importantes jovens autores maranhenses, na década de setenta, quando já fazia sucesso como instrumentista, o projetou no coração dos maranhenses, e transformou-se em um ícone, na trajetória musical desses autores. Entre eles, Josias Sobrinho, César Teixeira e Sérgio Habibe.

Tão importante que as festas de São João passaram a ter a sinonímia de seu nome, pela força de sua presença, de seu canto, de sua simpatia, e das canções que interpretava. Entre elas, a antológica, Boi da Lua: “São João, meu São João/ Eu vim pagar a promessa/ De trazer esse boizinho/ Para alegrar sua festa/ Olhos de papel de seda/ Com uma estrela na testa”…

Assim cantava e assim fazia, trazendo sua presença para as festas de São João, como se estivesse mesmo cumprindo uma promessa. Nelas, assumindo o protagonismo de cantar nos arraiais, em nossa cidade, e em muitas outras cidades de nosso Estado. Sua alegria, sua voz afinada, sua percussão, a consagração popular; tudo concorria para o sucesso de sua presença e de suas apresentações.

Quis Deus que, no entanto, quase na antevéspera de começarem as nossas festas juninas, sua estrela se apagasse, como disse o comunicado que sua família fez divulgar, sobre sua passagem.

Papete alcança a eternidade, no vigor de sua fama e glória, nos deixando, e deixando centenas de admiradores; deixando mais pobre o elenco de nossos talentosos compositores e artistas da música, o gosto fraterno de conviver e celebrar a vida, na comunhão da paz espiritual.

Fui prestar-lhe minha homenagem e reverência, na Casa do Maranhão, onde seu corpo foi velado, e onde foi homenageado, em reconhecimento a tudo aquilo que conseguiu realizar, levando o nome de nosso Estado, sempre.

Em companhia de Chico Saldanha  –  amigo de décadas e parceiro musical em algumas canções  – fui apresentando a Gisele, sua esposa e viúva, e pude expressar meus sentimentos de condolências, e realçando o amigo que estávamos velando. Sua filha não estava lá, naquele momento.

Senti, enquanto lá estive, a força que emana e une, quando nos identificamos pelo que fazemos, com competência, dedicação e amor. Vi passar, por aquele espaço, artistas maranhenses de todas as artes, dos músicos, aos cantores; dos compositores aos poetas e escritores. Vi, como poucas vezes vemos, em momentos de despedida.

Participei de uma bela oração e do canto, sob a voz de Lobato, nosso amigo, cantador do Boi de Morros e, mais cedo, quando ali, ainda, não estava, vi a imagem coletiva, dos artistas de nossa terra, cantando, quase em uníssono: “Ê alumiou, toda terra e mar/ Eu vi, fortaleza abalar/ Agora que eu quero ver/ Se couro de gente é para queimar”…

Uma digna, espontânea e merecida homenagem a um amigo que parte, para outro plano astral, para um estrelato na eternidade. Um canto de guarnecer, como anunciam os cantadores de boi. Uma estrela que se apaga, na terra. Uma estrela que se acende, no céu, na constelação dos artistas.

As estrelas do céu estão agrupadas em constelações. Há a constelação das que morrem virgem, como revelou o poeta Olavo Bilac. Há, também, a constelação dos artistas, dos que dialogam com Deus, pelos cantos que fazem como preces. Nessa constelação, a certeza de que nosso amigo e artista Papete já está brilhando. É só olhar para o céu e ver, a nova estrela, piscando em ritmo alternado, como uma nota musical.

Um abraço enternecido em sua família, que Deus o tenha em paz e o ouça, cantando e tocando, quando estiver reflexivo, e sentir necessidade. “Adeus, eu já vou me embora/ É chegada a hora de me despedir/Como o dia se despede da noite/Eu me despeço de ti”…

 

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