Retornando ao debate sobre os bondes

Às vésperas de completar 395 anos, a São Luís precisa debater questões essenciais para seu ambiente urbano, visando assegurar melhor qualidade de vida para seus habitantes, através de mecanismos que possam assegurar sustentabilidade, nas diversas dimensões do desenvolvimento: econômica, social, ambiental, humana.

Estou propondo, como parte do temário desses debates, a idéia de reimplantação de linhas de bondes elétricos, no Centro Histórico, pelas vantagens que representariam, em confronto com os atuais ônibus e micro ônibus, como meio de transporte coletivo.

Esse tema, com absoluta propriedade, poderia ser um item da pauta essencial do Conselho da Cidade, do Conselho Municipal do Meio Ambiente, do Fórum de Desenvolvimento Sustentável, de forma transversa, de modo a assegurar análises, sob as mais diversas óticas, para que essa proposta possa ser ou não, transformada em política pública.

Desde o meu primeiro mandato (1992), tive a oportunidade de propor, através de Requerimento aprovado na Câmara, que a então Prefeita Conceição Andrade determinasse a realização de estudos técnicos, visando avaliar a possibilidade de reimplantação das linhas de bondes que a cidade possuiu, até o final dos anos sessenta, como forma alternativa de transporte coletivo, na área do Centro Histórico.

Fiz essa proposição por considerar que o crescente fluxo de ônibus de transporte coletivo, no centro da cidade, trazia e traz uma série de inconveniências de caráter social e ambiental, além de representar uma grave ameaça à preservação do conjunto arquitetônico tombado, pelos danos à fundação daquelas edificações.

Que inconveniências de caráter social e ambiental são essas? A poluição atmosférica, pelo gás carbônico; a poluição sonora, pelos elevados ruídos dos motores; os constantes engarrafamentos; os riscos de vida a transeuntes nas calçadas; a deformação da camada asfáltica, pelo peso desses veículos; o abuso de velocidade, incompatível com o centro; os aumentos no custo das passagens. Além disso, a ameaça à preservação dos imóveis tombados pelos danos causados às suas fundações, pelas tonelagens desses veículos, quando lotados.

Os ônibus continuariam a ser a grande matriz do transporte coletivo, transportando passageiros até os terminais de integração, nos arredores do centro, e os bondes fariam o transporte, de forma intermodal, no Centro Histórico. Suas linhas poderiam ser as mesmas dos bondes de outrora.

Defendi e defendo essa idéia, baseado em argumentos históricos e contemporâneos que são difíceis de refutar. Senão vejamos: os bondes já existiram como transporte coletivo, em nossa cidade, envolvendo toda a sua área urbana, até o final dos anos sessenta, quando a febre de desenvolvimento os extinguiu. Eles tinham uma escala compatível com a cidade e faziam o trajeto de suas principais ruas, movidos à eletricidade. Esse é o argumento histórico. O fato de terem sido movidos à eletricidade nos fornece o argumento fundamental de sua contemporaneidade: não eram e não seriam poluentes agora, nem do ponto de vista sonoro, nem do ponto de vista do ar atmosférico, uma vez que não produziam e não viriam a produzir resíduos químicos nenhum.

Além disso, tinham um custo barato para a população e eram muito bucólicos, contribuindo para um clima romântico, para um convívio social mais intenso entre as pessoas que os utilizavam, e personalizavam a nossa cidade, com muita propriedade.

É claro que os bondes de agora não seriam os mesmos de outrora. Seriam bondes modernos, talvez mais compridos, com uma tecnologia mais avançada, com um conforto mais aprimorado, compatível com nossas necessidades de cidadãos do século XXI. Porém, com as características fundamentais de serem movidos à eletricidade, que temos em abundância e que não é poluente, contribuindo para a preservação da natureza e para uma melhor qualidade de vida, a partir do ar atmosférico.

A proposta de reativação dessas linhas de bonde se contrapõe, para mim, à realidade que hoje está imperando na cidade, com danos a médio e longo prazo para a preservação de nosso grandioso acervo tombado, que já possui uma grande parcela inscrita pela UNESCO, como Patrimônio Cultural da Humanidade: a realidade dos ônibus e dos micro ônibus, como meio de transporte coletivo, no Centro Histórico.

Esses veículos, a partir da implantação dos bondes, deixariam de circular pelo centro da cidade, restringindo-se também a circulação de automóveis, por medidas paralelas e complementares.

A reimplantação dos bondes, como transporte coletivo, seria um ponto de grande influência no processo de revitalização do núcleo tombado, fazendo com que pessoas pudessem transitar com mais tranqüilidade, com mais economia, por essa parte da cidade. Uma cidade mais humanizada do ponto de vista urbano, é o que queremos. Quem sabe, por nossas ruas ainda correrão novas rodas, novos sonhos, novas esperanças que os motorneiros, cobradores dos velhos bondes tanto souberam conduzir e alimentar. Amar a cidade é projetá-la para o amanhã. É preciso amar a cidade.

(Crônica publicada no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, Coluna: Hoje é dia de…, em 02/09/2007).

One thought on “Retornando ao debate sobre os bondes

  • 15 setembro, 2007 em 12:58
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    Vereador Ivan Sarney,

    Fiquei encantado com a proposta. As razões que nos levam a pensar nos bondes como alternativa importante para o transporte público da Ilha são muitas. Além destas que aqui foram declinadas pelo senhor, como as ambientais, as patrimoniais, as estruturais ou as românticas, peço licença para citar, ainda, que muita das cidades européias, detentoras de serviço público de transporte exemplar, exatamente de porte similar ao de São Luís, se utilizam dos serviços dos bondes elétricos, e estes têm se demonstrado como eficaz alternativa para a complexidade do setor. Cito como exemplo cidades francesas como Montpellier (possuidora também de um belo Centro Histórico) e Grenoble (cidade onde resido no momento, e que opta “Tramway” como principal meio de transporte público). Me permita, ainda, dizer que a proposta é interessante não somente para ser utilizada no Centro Histórico e suas imediações, mas também na cidade nova. Estou à disposição para ajudar e enviar informações daqui. Saudações.

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