Ante os olhos lenientes do estado

Escrevi, há algumas semanas, um artigo, nesta coluna, sob o título: A família contra a parede, onde abordei o drama da instituição família, na sociedade contemporânea, entre o crescente aumento de violência perpetrada contra ela, por parte de descendentes drogados, ceifando vidas de pais, de avós, de tios, numa verdadeira síndrome, dramática, da violência doméstica de nosso tempo.

O artigo suscitou muitas manifestações positivas, por parte dos leitores, gerando solicitações que o republicasse, para atender a interesse de muitos que não puderam lê-lo, e de outros que gostariam de vê-lo mais difundido.

Para esses, e para aqueles que gostariam de relê-lo, estou reproduzindo o seu conteúdo, na íntegra, com o complemento do título atual, o que permitirá sua leitura, a partir do seguinte título: A família contra a parede, antes os olhos lenientes do estado. 

– A mídia eletrônica e impressa tem exposto, no dia a dia do noticiário que divulga, um drama que está atingindo a família, em boa parte do mundo civilizado, mas que alcança especial relevo em nosso país. Esse drama tem como protagonistas, de um lado, adolescentes usuários de drogas e, do outro lado, familiares desses mesmos adolescentes. O drama tem tido como desfecho a morte de familiares, quase sempre pais ou mães, mas, também, avós, irmãos, e todos os que possam representar obstáculos à sanha incontrolável de obtenção de dinheiro para a compra de drogas, por parte dos viciados agressores.

Esta semana, a mídia noticiou o caso do jovem que assassinou a mãe, por estrangulamento, no auge de uma discussão em que pretendia mais dinheiro para compra de drogas. Pretensão essa que não tem fim.

Na matéria em que noticiou o fato, uma rede de televisão fez divulgar, também, matérias alusivas a crimes pretéritos, recentes, com o mesmo drama familiar e as mesmas motivações de viciados. O jovem que assassinou a avó e uma servente da casa, que foi preso dopado, em estado de letargia, após os crimes e o uso das drogas que tanto buscara. Um outro jovem que assassinou o pai, por motivações semelhantes: desejo incontrolável de mais dinheiro para a compra de drogas, para alimentar um vício que pede para ser satisfeito a cada momento em que passam os efeitos da última ingestão, segundo os viciados e as pesquisas científicas.

Os criminosos, nesses casos, são criminosos ocasionais, que agem pelo impulso, por estarem tomados pela necessidade de viciados, que submete o corpo e a mente às ações mais cruéis e condenáveis como o assassinato de genitores ou outros familiares, pelo fato de representarem obstáculo e, ao mesmo tempo, meio para a obtenção das drogas que tanto precisam para alimentar seus vícios e suas próprias vidas.

Começam por gastar além do que podem, para alimentar um vício que acontece como um processo. Primeiro, provam gratuitamente. Depois, começam a comprar, em pequenas quantidades, drogas de custo mais barato. Depois, ainda, são induzidos a comprarem drogas mais pesadas e caras. E quando estão nos limites de suas dependências, de suas possibilidades financeiras, roubam dinheiro em casa; vendem aparelhos domésticos e bens móveis de seus familiares; pressionam os pais, cada vez mais, para que lhes dêm dinheiro e, quando não conseguem mais, até mesmo por os pais não disporem de mais, acabam por cometer os homicídios, num gesto inconseqüente e desesperado, ante a negativa dos pais ou outros familiares.

O arrependimento e a depressão vêm depois, quando, presos e em crise forçada de abstinência, conseguem compreender a extensão e o caráter criminoso de seus atos. Assassinos dos próprios pais a quem, quase sempre, eram ligados por fortes laços afetivos. Pais com quem viviam, e que os alimentavam e vestiam, cumprindo seus deveres paternos.

A família está contra a parede, sob os olhos lenientes do estado. Contra a parede pela dificuldade de criar e educar, dentro de padrões éticos e morais que sejam socialmente comprometidos com o passado, o presente e o futuro, num mundo que troca de valores como troca de moda: a cada estação. Contra a parede pela ausência de instituições públicas que apossam ampará-la, nos casos de graves conflitos, por usuários de drogas, adolescentes ou adultos. Contra a parede porque os pais têm sido as maiores e mais graves vítimas desse processo dramático, no cumprimento de seus deveres legais, afetivos, biológicos. Contra a parede porque, na medida em que cresce o número de usuários de drogas, entre adolescentes, e esses adolescentes, quase sempre, vivem com seus pais, aumenta potencialmente o número de pais que poderão ser vitimados por esse processo cruel.

Contra a parede, também, pois na medida em que a família estiver, estará a sociedade, que tem na família a sua base constitutiva, a sua principal célula. Contra a parede acabará ficando nosso país e alguns países do mundo, se não forem adotadas medidas eficazes de combate ao narcotráfico, aos traficantes, buscando estancar, por um lado, a oferta dessas drogas que tanto comprometem a juventude, e nosso futuro. Por outro lado, precisamos adotar medidas de proteção à família, instrumentando-a para o melhor cumprimento de suas responsabilidades, com o aval direto e determinado do estado.

Os jovens precisam de esperanças, de utopias que possam construir, e que constituam motivações positivas para as perspectivas do futuro. Essas motivações podem ser dadas pela família, com o exemplo dos pais, num primeiro momento. Em maior escala, devem ser dadas pelo poder público. A família está contra a parede, sob os olhos lenientes do estado. O tecido social continua apodrecendo, em função da criminalidade visceral dos jovens viciados. Amar a cidade é proteger a família. É preciso amar a cidade.

ivansarney@uol.com.br

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