As tradições em nossas festas natalinas

 

imagesEntre os costumes mais marcantes que integravam as tradições natalinas, em nossa cidade, estava o hábito de pintar as residências, fachada e interior, no mês de novembro ou dezembro, para celebrar o nascimento do menino Jesus. Por sua natureza religiosa, esse era um hábito praticado por todas as classes sociais, com maior ou menor grau de evidência. Representava um momento especial para a cidade, sua feição e paisagem, com o realce de cores, de formas, tornando mais notória a arquitetura dos sobrados, das casas, o perfil das ruas e dos becos.

Tudo parecia ganhar motivação e vida com a pintura renovada e, muitas vezes, com a troca de cores. Em torno desse ambiente, desse apelo à celebração, acontecia a motivação das famílias, o ambiente das escolas, das ruas, a comunhão dos amores, o toque dos sinos das igrejas e o fraterno convívio das pessoas.

Assim aconteciam as celebrações do Natal, num clima de harmonia e fraternidade que envolvia a cidade inteira. A Missa do Galo era um ponto marcante dessas celebrações. Acontecia, sempre, na chegada do dia vinte e cinco, começando à meia-noite, nas igrejas das paróquias.

Adolescente, era possível ver o movimento das pessoas, com os bondes já recolhidos à estação, descendo a Rua dos Remédios para encontrar sua igreja, no Largo dos Amores. Era possível andar em paz, caminhar despreocupado pelas ruas, a qualquer hora, ainda que fosse madrugada.

A essas celebrações estavam associados o presépio e a árvore de Natal. As famílias montavam um ou outra, na sala de visitas, exibindo orgulhosamente uma religiosidade que estava latente na alma das pessoas, no aconchego de todos os lares.    

Cada família cultivava uma forma especial de viver essas celebrações, de reverenciar essa tradição religiosa, transmitida por seus ascendentes, nos impregnando a alma com as mesmas crenças, os mesmos conceitos, os mesmos dogmas com que suas almas foram impregnadas.  

Em nossa casa, mamãe nos habituou, desde pequeninos, a vestirmos roupas novas, em dois momentos especiais, nessas festas: na noite do dia vinte e quatro, para esperarmos Papai Noel, e no dia do Natal, dia vinte e cinco. No primeiro caso, eram os pijamas que ela, exímia costureira, fazia questão de produzir.

Depois de alimentados, abençoados, vestidos com pijamas novos, nos acomodávamos em nossas redes, sobrepostas, tomados de ansiedades, de incertezas, do medo de acordarmos de madrugada e flagrarmos Papai Noel em nosso quarto. Mesmo assim, conseguíamos dormir, como era necessário, até de manhã cedo, quando o galo cantava novamente.

No segundo caso, também produzidas por mamãe, eram as roupas para vestir à tarde, nos passeios com vovô, para irmos tomar benção aos padrinhos, para sairmos com ela e papai, para brincarmos na Praça Deodoro, para irmos aonde mãe Kiola, para encontrarmos os amigos da praça. 

Era muito mais fácil, aos pais, educar, cultivar tradições e transmiti-las aos filhos. Tínhamos respeito absoluto, reverência e temor a eles. Havia uma hierarquia de valores e poder, dentro de casa, que era impossível transgredir sem repreensões severas, sem privações inclementes, sem castigos corporais. Essa rigidez construiu cidadãos disciplinados, respeitosos, ordeiros, sonhadores e responsáveis.

Entre essas celebrações, Papai Noel, que não integra a liturgia católica, existe como uma tradição, de caráter laico, que foi incorporada a essas festas, provavelmente, associada ao episódio bíblico que envolve os presentes dos três Reis Magos ao menino Jesus, no dia do seu nascimento.

O Papai Noel e o próprio Natal, com o passar dos anos, ganharam mais vigor, apesar do processo de secularização do mundo, laicizando os costumes, cada vez mais, e do desenvolvimento da ciência, buscando desvendar a origem do universo, a gênese de todas as formas de vida e as e energias cósmicas.   

Independente de Papai Noel estar associado ao calendário do comércio, elemento essencial de sua vitalidade, a imagem daquele velhinho de barbas brancas, de alma generosa, que presenteia as crianças de bom comportamento, tem uma função importantíssima na pedagogia familiar. Ele auxilia na disciplina, nos estudos, nos asseios, nos ensinamentos, como um personagem de avaliação crítica do aspecto comportamental da criança, e isso o torno necessário e o eterniza.

O diálogo da criança, com o velhinho generoso, através do pedido escrito ou verbal, representa um testemunho positivo da relação que se estabelece entre os dois. Um que pede e diz que é merecedor, e o outro que avalia e presenteia, fechando um ciclo que recomeça a cada ano, até uma incerta idade.

Cada criança encontra a sua forma de se relacionar com o bom velhinho, incentivada por seus pais, por sua família. E Papai Noel, que tem o dom de ouvir a todas, de estar presente nos lares em que é chamado e querido, incorpora o dom de saber caminhar no escuro, de transitar entre redes, de entrar por janelas, por portas, por espaços abertos, para atender aos apelos das crianças que nele creem e dele esperam.

Sua pessoa se transforma em tantos quanto são os que por ele anseiam e necessitam, os que o querem e não o temem, os que nele acreditam e que, um dia, quase por um milagre, acabam vendo suas faces, tão próximas das suas, tão perto de seus sonhos, tão ligadas aos seus destinos, tão íntimas de suas dores e prazeres, dos referenciais de suas próprias vidas.

Essas faces, tão subjacentes à vida de cada um de nós, tão necessárias, um dia se transformam em nossas próprias faces. Nós a emprestamos ou emprestaremos para compor o símbolo, as faces do mesmo bom velhinho que nos presenteou, nos alimentou esperanças, nos fomentou devaneios, ilusões, como duende, nos transportando para um mundo mágico onde reinava, e ainda reina a família, a criança, o homem, sob a luz, a energia que emana de Deus, e para onde, um dia, tornaremos, cumprida a trajetória de nossa vida terrena.

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