Um belo e necessário gesto do prefeito

Há poucos dias, o prefeito João Castelo, com o estigma de realizador que tem, como homem público, e mostrando, de forma inequívoca, seu compromisso com a preservação da memória e da identidade de nossa urbe, decretou a desapropriação de dezenove prédios localizados no Centro Histórico, com o objetivo de dar-lhes novas funções, nos trabalhos de reabilitação de nosso patrimônio imobiliário, tombado, que pretende realizar em seu mandato. 

Não podia ter sido mais feliz o nosso prefeito. Afinal, os imóveis que estão listados, no decreto de desapropriação, fazem parte de uma lista muito mais extensa de imóveis que se encontram sob ameaças de arruinamento, por falta de conservação, por absoluta falta de interesse de seus proprietários de os recuperarem para dar-lhes novos usos, integrados ao dinamismo da cidade que, a cada dia, vem incorporando novas funções: residenciais, comerciais, serviços, institucionais.

A Defesa Civil e o CREA vêm alertando, a cada novo inverno, o precário estado de conservação de dezenas desses prédios, integrantes de nosso acervo tombado, incluindo a área inscrita na Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, e sua área vizinha, tombada pelo governo federal e pelo governo estadual, donde resulta o grande acervo tombado do Centro Histórico de São Luís. 

A evidência é de uma situação mais grave, pelo acréscimo quantitativo, e pelas condições de degradação continuada, com comprometimento de estabilidades e ameaças iminentes de desabamentos. Na maioria dos casos, pelo estado de abandono em que se encontram esses imóveis.

Quase todos esses prédios pertencem a particulares, que decaíram de suas condições financeiras ou perderam o interesse de preservá-los, para seu próprio uso. Uns poucos são propriedade do estado.

A legislação que disciplina a matéria – no âmbito federal, estadual ou municipal –  representa instrumento eficaz para a ação do poder executivo e, mesmo da sociedade, através de ação popular. Isso, para obstar a realização de um ato atentatório à integridade de um bem tombado, ou para exigir a obrigação de fazer ou não fazer, de uma pessoa ou instituição, em relação ao bem, quer seja propriedade sua ou não.

As denúncias veiculadas, recentemente, em âmbito nacional, mostrando a destruição do interior, de vários imóveis, para transformá-los em estacionamento, contribuiu, provavelmente, para a essa decisão da Unesco, que possui representantes gabaritados, em quase todos os países do Mundo.

A justiça é um caminho muitas vezes, necessário e definitivo, mas não o mais prático, na dinâmica do cotidiano da preservação. 

Muitas vezes, o proprietário não está agindo de má-fé, quanto à preservação do bem. Simplesmente, ele não dispõe de recursos para mantê-lo preservado. Diz a lei que, se o proprietário, comprovadamente, não dispuser de condições financeiras para realizar os trabalhos de conservação que o bem tombado exigir, o órgão responsável pelo tombamento realizará o trabalho, com seus próprios recursos. A Superintendência Regional do Iphan vem praticando, recentemente, esse dispositivo legal, com competência. Mas, de forma insuficiente, para atender todas as necessidades.

Os arquitetos urbanistas são de opinião que é através do Plano Diretor que vamos conseguir um melhor disciplinamento das ações do interesse do capital e dos cidadãos, na preservação de conjuntos urbanos que são sítios históricos. Isso me parece absolutamente lógico, do ponto de vista formal. É o município que detém a competência para legislar sobre a ocupação e uso de seu espaço territorial. O Estatuto da Cidade reafirma e amplia esses direitos, sobre o ordenamento do solo urbano, inclusive pelo instituto da preempção.

Mas os Planos Diretores também são mutáveis. A reflexão deve ir mais longe, contemplando estímulos que podemos dar aos proprietários desses imóveis tombados, de modo a atrair seus interesses pelo capital.

A lei municipal, que instituiu a proteção do patrimônio cultural, é de minha autoria e representa uma declaração incontestável de que o município de São Luís está, definitivamente, instrumentado para a preservação de seu acervo cultural. Através de outra lei, também de minha autoria, foi criado o estímulo aos proprietários de imóveis tombados, no Centro Histórico, isentando-os de pagamento do IPTU, em nome do interesse público da preservação.

Os prédios, que estão na iminência de desabar merecem, atenção especial e urgente. A primeira é o de escoramento. Mas escoramento feito com cuidados técnicos.  A outra providência é a compra ou desapropriação, por parte do governo estadual ou municipal, para dar-lhes um novo uso, contemplando moradias, escolas, pousadas, centros de referência e outras funções desejáveis ali.

A preservação de nossa memória e identidade nacional está ligada, intrinsecamente, à preservação de nossa diversidade regional, do acervo de bens culturais que nos particularizam e distinguem enquanto pessoas e comunidade.

A cidade é nossa própria história, nossa casa sem portas, além dos limites de nós mesmos.

O prefeito João Castelo poderia promover um grande seminário, para ouvir a comunidade sobre as novas funções a serem dadas a esses imóveis, quando reformados, e sobre a política de reabilitação urbana, para o Centro Histórico, que já começa a por em prática.

ivansarney@uol.com.br

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