O sempre amigo carteiro

Carteiro novoVejo a manhã debruçar-se sobre as horas, da varanda do apartamento. O sereno que restou da madrugada reflete a paisagem muda, na água empoçada na esquina deserta. O que há mais real e mais humano, no cenário que meus olhos contemplam, é a manhã. Cumprindo o ritmo natural, esta manhã é única, em si mesma, diferente das outras manhãs; de cada uma das manhãs que a precederam e, certamente, das que a sucederão.

Do mesmo modo, acontece com nossa alma, com nosso ser transitório, pulsando vivo, nesta harmonia indomável do universo. Cada alma é única no esplendor da eternidade. O que torna esta manhã, aparentemente, igual às outras para mim, não é o telhado, nem as formas, nem as cores das casas e dos edifícios que contemplar e distinguir, todos os dias, dominando a paisagem do bairro que me acolhe. Do mesmo modo, não é o ritmo das ladeiras que descem velozes, descrevendo as curvas e as formas do lugar.

O que torna esta manhã igual às outras é a pessoa do carteiro que vem, todos os dias, distribuindo o riso cordial, entregando as correspondências lacradas, onde lacradas vão as emoções de toda sorte. É essa presença humana, obrigatória e cotidiana, que unifica a paisagem dos dias. Ele tem o dom de fazer abrirem-se as portas, as janelas, as cortinas; de alimentar os corações e de unir, de forma fraterna e solidária, os sentimentos e as almas humanas.

O correio sempre me fascinou, contribuindo para promover a união entre os povos, para tornar menores as distâncias do homem e do Mundo. Basta imaginar que os bilhões de humanos, nos mais distantes e remotos locais, podem ser alcançados individualmente, com a simples identificação de seus nomes e do local onde podem ser encontrados. Uma correspondência, posta em qualquer lugar do Mundo, pode chegar ao seu destino em poucas horas, se correta for sua postagem. Isso me parece mágico e essencial para a interação humana. Escrever uma carta, com toda a carga afetiva de nossos sentimentos; lacrá-la, num envelope, e levá-la ao correio.

Cada um desses passos tem sua própria magia. Mágico é o ato de escrever, movido por sentimentos e emoções. Mágico é o ato de confiar nossas mensagens a pessoas que não nos conhecem, que não estão emocionalmente envolvidas com nossos sentimentos envelopados. Quem já namorou à distância, sabe como é bom, como é vital, como é amiga a presença do carteiro.

Mais ou menos, no dia que se espera uma resposta, o coração apressa o compasso e fica a pressenti-lo, mesmo onde ele não está. Toca a campainha da porta e parece que é ele. Quando ele chega e estamos por perto, a pergunta sai ligeira: É para mim? Se ele não traz o que esperávamos, ainda assim o vemos seguir, com uma réstia de esperança de que, no outro dia, ele virá novamente e estaremos felizes. Ele virá sempre, a cada manhã.

Poderá não ser o mesmo. Nem sempre pode ser o mesmo. Mas ele virá. Será o carteiro, simplesmente o homem que entrega cartas e distribui, de certo modo, a felicidade entre os homens. Ele vem, mais ou menos na mesma hora, trazendo em sua sacola, um monte de correspondências e parece não se cansar. Trás a clara e permanente consciência de que dele pode estar dependendo a felicidade, a vida, a história, os rumos de outras vidas e de outras pessoas. Vai distribuindo bom dia, sorrisos, felicidade; às vezes, com o duro fardo da vida pesando sobre seus ombros.

Nas cidades pequenas, nos bairros pequenos, nas ruas pequenas, os carteiros são conhecidos pelos nomes e fazem parte, com sua presença amiga, de uma grande família. Integram-se à alegria e à dor dos moradores e são os saltimbancos das notícias; conhecem todas as pessoas e são conhecidos e estimados. Na cidade grande, não. O carteiro é quase anônimo. Tem a barreira dos edifícios, as grandes distâncias, o involuntário isolamento humano e o tempo a correr mais apressadamente, encurtado pelas grandes distâncias.

Mas mesmo assim, ele é o carteiro anônimo, que leva a comunicação e o malote, e faz despejar na alma humana, os mais paradoxos estímulos. Os carteiros são pessoas especiais, semelhantes ao pássaro que, toda manhã, vem cantar e tocar o vidro da janela do apartamento. Os carteiros e todos os que trabalham nos serviços do correio. Cada um, em sua tarefa específica e única, contribui para o processo da comunicação social, diminuindo as distâncias entre os homens, entre os povos e países.

Essa crônica vai, portanto, como um reconhecimento, como uma exaltação, como um abraço agradecido ao carteiro, ao correio, com todo o seu pessoal. Essa correspondência vai aberta, para que todos possam refletir sobre a verdadeira missão que os carteiros têm, como pessoas verdadeiramente especiais. Que sejam bem pagos por Deus e pelos homens, por trabalharem com o visível e o invisível; pelo dom de serem essenciais; pelo bom que é vê-los, cruzando a cidade, cruzando os recantos do mundo, como pombas da paz, como símbolos da amizade, do encontro e da união entre os povos. Amar a cidade é reconhecer seus elos essenciais. É preciso amar a cidade.

ivansarney.com.br

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