Enquanto as chuvas não caem

chuvas fortesJá estamos em novembro e, até agora, nenhum sinal daquelas chuvas brandas que costumam acontecer no fim do ano, ainda sob as cores e o perfume da primavera. Elas pertencem a um ciclo de chuvas que começa a acontecer em setembro, em perfeita sintonia com a primavera, ainda na estação do sol, que se efetiva, para nós, a partir de julho.

Pela ordem, a primeira chuva acontece no início de setembro. É a chuva do caju. Ela acontece durante algumas horas, pela manhã, logo nos primeiros dias de setembro. A partir daí, os cajueiros começam a expor seus frutos, suas diversas espécies, seus formatos, suas cores e sabores diferentes. A segunda chuva é a da manga.

Ela também acontece em setembro, na segunda quinzena, e tem curta duração. Mas logo faz pender das mangueiras, robustas, as diversas espécies desse fruto, que nos acostumamos a saborear. A manga rosa, a manga espada e a constantina são, de longe, as mais festejadas e preferidas. Essas mesmas chuvas, essas benditas chuvas, também fazem brotar, em cachos, a juçara, pendendo das palmeiras, das centenas de juçarais que a cidade ostenta. Por conta disso, acontece a festa que leva o nome dessa fruta, no Maracanã, nos domingos de outubro e novembro.

Esse ciclo, na sazonalidade que meus olhos registram, dura três curtos meses. Por isso, é preciso estar predisposto a sentir, a perceber as mutações da natureza, em nossa cidade, para aproveitar essas pequenas maravilhas, que fazem parte de nosso patrimônio cultural. A chuva de novembro, que sempre acontece em meados do mês, tem o dom de anunciar a transição de estação, preparando-nos para a estação das chuvas, que sempre começa em janeiro, mas que tem, em dezembro, muitas chuvas transicionais.

Essas chuvas, de novembro e dezembro, também trazem consigo duas de nossas frutas mais especiais, por seus sabores e por suas raridades: o bacuri e o murici. O bacuri é o nosso lado pré-amazônico, fruto de árvore de grande porte e copa alta. O murici é o nosso lado litorâneo, de terreno arenoso, fruto de árvore quase rasteira.

A chuva, a todos, os faz florescer e madurar. E esse ciclo de chuvas precisa completar-se para que o espetáculo da natureza nos brinde, com toda essa biodiversidade frugal, tão importante como fonte de alimento, para o ciclo da vida, em nosso bioma. Enquanto a chuva não vem, a cidade registra um calor intenso, como na última quinta-feira. Não me recordo de outros novembros assim, com tanto calor, com tanta ardência solar, sobre nossas cabeças.

Não morássemos em uma ilha, uma bem aventurada ilha, cercada de águas doces e salgadas, por todos os lados; bafejados por ventos úmidos e fartos, à essa época do ano, estaríamos, certamente, enfrentando sérios problemas de saúde, entre os quais a desidratação, a insolação, que são os mais comuns e graves, podendo ser letais. Os ventos, os benditos ventos que sopram fortes e constantes, em nossa cidade, abrandam e dissipam esse calor, bastando apenas que nos abriguemos em uma sombra.

Além disso, nossas noites são brandas, sempre apascentadas por brisa, como um armistício natural, nos preparando para um novo embate, no início do dia seguinte. O sol das sete horas já anda alto, e chega a doer na pele. Já não é visível o sereno da madrugada sobre as coisas materiais, expostas a céu aberto. Há alguns anos, era possível observar o sereno da madrugada embaçar os vidros dos carros, as folhas das árvores, as pétalas das flores, e tudo o mais que era forma e cor, expostos ao tempo.

O aumento dos gases de efeito estufa, segundo os especialistas, tem sido o grande responsável pelo aquecimento de nosso Planeta. Esse aquecimento está contribuindo para derreter as calotas polares o que, por sua vez, está contribuindo para elevação do nível das águas dos oceanos. Isso poderá inundar cidades litorâneas e alterar a geografia do mundo, nos próximos anos. Além disso, o aquecimento global também está influenciando o regime das chuvas, o que está motivando enchentes e causando graves prejuízos para os que habitam centros urbanos, cortados por hidrovias ou próximos do mar.

Por ora, enquanto a chuva não vem, penso claramente nos frutos sazonais, no bacuri, no murici, no abacaxi de Turiaçu, que já está sendo comercializado na cidade. É fruto de setembro, também, da segunda quinzena, e anda adoçar nossa boca com a excelência de seu sabor.

Enquanto a chuva não vem, a cidade vai ficando empoeirada, varrida pelos ventos que nos ajudam, mas que toldam o brilho e empanam as cores dos automóveis, dos vidros, dos espelhos que fazem as fachadas dos prédios, das casas, de tudo o que é forma, diante de nós. A chuva e novembro, além de suas funções na natureza, antecipa o clima das festas de Natal, sempre sob o regime de nuvens cinzentas, de vento brando e cúmplice, de magia e renovação. -“Para tudo há um tempo na Terra. E para todo propósito há um tempo determinado por Deus”. Amar a cidade sentir as nuances das mutações naturais. É preciso amar a cidade. ivansarney@uol.com.br

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