Um pau-d’arco em flor alegrando a cidade

 

pau-darco-2016Em meio à paisagem urbana, na clara manhã de outubro, um pau d’arco em flor, alegra a cidade. Ele está ali, na sua timidez e em sua exuberância, esparzindo seus galhos e suas flores sobre a praça, sobre as cabeças e seus destinos, sobre os corpos apressados, sobre as vidas que ali pulsam e ali passam, transitando ligeiras, em rumos e caminhos tão diversos.

Deixo-me ficar sob ele, envolto em sua copa, em sua paz, nas flores amarelas com que nos brinda, com que brinda a manhã e brinda a cidade inteira, nestes tempos de primavera. Ali, na Praça João Lisboa, entre funcionários aposentados, entre homens de negócios, entre os sobrados de azulejos, entre o passado e o presente, me deixo ficar. E fico, ouvindo o canto dos pássaros, contemplando a manhã que vai expondo e grafando suas horas, dizendo a que veio, neste festivo outubro.

Tudo em volta me diz que é primavera, e mesmo que pareça utopia, ainda temos centenas de razões para celebrar nossas conquistas, nossas vitórias; para construir nossas esperanças; para tomar lições de vida, entendendo o caráter mutante de todas as coisas. É possível estar feliz com insucessos!

Somos seres emergentes, integrando uma ordem universal, em constante movimento. Essa ordem, que é cósmica, e que é emergente também, nos apela, nos instiga a vivermos a nossa própria mutação, certos de que tudo é movimento e mudanças na natureza. É assim a cada segundo, com a sucessão das horas, do movimento das ruas, dos astros, de todos os corpos celestes. É assim com a natureza inteira, movida por essa energia difusa, sensível onipresente e onisciente que é Deus. O mesmo Deus que nos deu o dom da razão, do amor, e que nos mostra as suas faces em toda a grande ordem natural da qual fazemos parte, como a mais bela das criaturas Divinas.

Felizes os que podem sentir que as coisas mudam, que tudo em torno de nós tem matizes novas, a cada momento, e que isso faz parte de um mundo em constante ebulição e movimento. Felizes os que podem sentir, os que podem dizer que mudaram, e percebem que essas mudanças nos fazem renascidos a cada novo dia. Temos que estar integrados com essas mudanças, porque fazemos parte dessa ordem cósmica; porque somos, nós mesmos, as próprias mudanças, em seu caráter mais subjetivo.

O ser emergente tem essa consciência clara e deixa que ela ilumine todos os seus passos e suas atitudes. O ser emergente é pura mutação, sinergia pura, com a harmonia cósmica, com toda a biodiversidade, e de sua consciência floresce a vida, em suas mais diversas formas e matizes.  

O pau-d’arco da praça vai deitando as flores amarelas, pela luz e pelas horas da manhã, indiferente aos homens, aos automóveis, à minha presença contemplativa; vai deitando suas flores sobre as pedras portuguesas, cumprindo apenas o seu destino vegetal, o sentido de sua própria existência, enquanto partícula viva de um ecossistema, que todos integramos, independente de nossa consciência.

Se bem estou lembrado, o pau-d’arco espera o ano inteiro, por essa floração, que é efêmera, também. Durante todo o ano, ele ostenta suas folhas verdes e espalha seus galhos de proteção sobre a cidade. Exerce, com sua clorofila, com a fotossíntese, uma função tão necessária à qualidade de nossa vida. E vai cumprindo a sua tarefa natural, com uma paciência irretocável. Apenas em outubro ele se transmuda, veste-se de novas cores e de novas formas, exubera em vida e exibe orgulhoso, sua mutação.

Tudo tem um ritmo, na natureza. Um tempo muito próprio e particular para as suas próprias transformações, para a mutação, para o amadurecimento, para viver e fenecer. “Para tudo há um tempo, e para todo propósito há um tempo determinado por Deus”. 

Sinto em tudo, a presença de Deus. O Deus do pau-d’arco é o mesmo Deus da juçara, do caju, da manga, do abacaxi, dos oceanos, da terra, do céu, do mar, do tempo, dos humanos; de tudo o que é vivo e se move, na natureza. É o mesmo Deus que reina e vive em cada um de nós, abrindo as portas da ciência, mas inabalável a seus avanços e recuos. É o mesmo Deus das palafitas, das lamas, dos templos góticos, dos pequenos oratórios das choupanas de palha e barro de sopapo.   

Acostumei-me a sentir e entender o pau-d’arco, desde a minha juventude, na Praça Deodoro. Ali, do lado onde passa a Rua de Santaninha, resplendia e resplende, ainda hoje, uma bela árvore dessa espécie, que nos brindava sempre, no mês de outubro, com sua floração e seu espetáculo. Quando florada, durava poucos dias, enchendo o chão de flores amarelas, mas enchendo a praça de alegria e beleza; enchendo nossas almas de espiritualidade e ternura.

A cidade está ficando mais verde, mais bela, mais introjetada em nós. Sinto isso ao caminhar por nossas ruas, ao ver as nossas avenidas, abraçadas pelo plantio de tantas novas mudas, nos canteiros. Defendo a ideia de trazer a comunidade, através dos empresários e entidades classistas, para a construção de nossa paisagem urbana. Dessa arborização, a cidade precisa para tornar nossas vidas mais saudáveis, nosso espaço ambiental mais limpo, mais puro, mais compatível com as necessidades de nossos corpos, de nossos sonhos e esperanças, na reconstrução social do homem.

Daqui a pouco, já será dezembro. Estamos prestes a virar as páginas de mais um ano. O que nos move, nesta manhã, não é somente o sentimento de um poeta diante da natureza. O que me move é saber que não estamos sozinhos; que em torno de nós vão se multiplicando as sementes, e vão nascendo os frutos de nossa semeadura. Um homem debaixo de um pau-d’arco pode entender a flor, a manhã, as estações e a sua própria primavera. Um homem, no meio da praça, pode encontrar o espaço de sua liberdade. Pode sentir-se árvore, flor, poesia vegetal, desprendida dos galhos e dos troncos. Pode inclusive sentir-se homem, com toda a grandeza vã, e toda a degradação que semeia.

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.