Nossas frutas estão chegando novamente

 

 

cajus-maranhaoAs chuvas, as verdadeiras chuvas torrenciais de nossa estação, ainda não chegaram, nem deram o ar da graça, como acontece a cada novembro. Só virão em fevereiro ou março. No entanto, há nuvens densas povoando as manhãs, vestidas de cinzento, como são os céus de chuvas.

Quando menos esperarmos, elas virão com toda a força astral de suas águas puras, e descerão sobre nossos telhados, nossas cabeças, correndo por nossos corpos, pelas sarjetas, pelas ruas, nos rumos da beira-mar. Elas virão, como sempre vieram, como invariavelmente vêm, todos os anos, todos os verões e todos os outonos que, para nós, são estações impregnadas de águas.

As chuvas ainda não vieram, mas já vieram as frutas. As frutas sazonais, as frutas de época, como chamamos a certas frutas, benditas, que vêm com o tempo e ficam, por um tempo, a nos embevecer, a nos alimentar o corpo, o ego, a vaidade e o orgulho de podermos desfrutar de seus sabores, de suas efemeridades, de suas maravilhas.

Elas são muitas, têm cores diversas, passando pelo verde e suas tonalidades, pelo vermelho, pelo amarelo, e têm tamanhos, sabores e formas diferentes. Têm nomes diferentes que, para nós, são versos, são poemas, são músicas que vamos declamando e cantando, nas manhãs das feiras, e até mesmo dos supermercados: manga, murici, bacuri, cupuaçu, jambo, piqui, juçara, caju, jacama, pitomba, buriti, jenipapo, carambola, oiti, tamarindo.  São tantos nomes, tantos sabores, tantas seduções que seria exaustivo nominá-los, agora que é noite e dentro de mim, três dessas frutas saltam e se impõem pela magia, pelo sabor, e por ser nessa época que atingem sua exuberância maior: o murici, a manga e o bacuri.

Na manhã da última quarta-feira, saboreei os primeiros muricis desta estação. Os muricis, inclusive, foram o prato preferido de meu jantar. Comprei-os ali, em frente ao “Bom Preço”, do São Francisco, naquela feirinha improvisada de frutas, onde tem sido fácil encontrar, nestas épocas, o melhor e mais doce abacaxi do mundo: o abacaxi de Turiaçu. Ali mesmo, não resisti e logo fui saboreando alguns muricis, sob o pretexto de provar se eram doces. E como fossem doces, levei-os para casa, como um grande troféu.

Mas, ali também, de forma exuberante, estavam expostas as mangas: Rosas, Constantinas, Espadas; penduradas e maduras, com seus odores explícitos e seus sabores encobertos. Meu amor optou por comprar sapotis, que estavam de vez, graúdas, especialmente sedutoras.

Não havia bacuris para vender. Que pena! Costumo come-los jogando contra o chão de cimento, com força moderada, para poder rachá-los, quase por inteiro, sem deitar pelo chão sua polpa e seus caroços. Gosto de ir abrindo devagar, um após outro, sentindo a maravilha de seu sabor, roendo o caroço, até não ter mais nenhum pedaço de polpa. Passar o dedo indicador por dentro da casca, evitando a resina, tem um gosto adicional porque ali ficam polpas maceradas, muito mais doces e saborosas.

O murici é bom comer de um a um, roendo na boca, sentindo toda a sua massa, deixando o caroço liso, limpo, sem nada. Gosto de comê-los gelados, sentando à mesa do almoço, mas desprezando tudo o que ali esteja que se oponha a murici, que não seja o próprio, diante de mim.

É assim com a juçara, que está em sua época, que substitui o almoço para mim, levando vantagem em todos os sentidos. Outra maneira é saboreá-los amassados, com leite e açúcar, quase como um creme, o que é possível fazer também com o bacuri.

Como é bom que seja assim. Como é bom estar integrado de tal forma com a natureza, e podermos sentir suas mutações acontecerem: no clima, na formação de nuvens, nas cores, na luz da manhã e nos dias, nas frutas e nas flores das estações; na variação das marés, na viração do vento.

Como é bom poder estar integrado assim, sentindo exatamente a mutação de todas as coisas vivas, em torno de nós. Sabendo que estamos vivos e mudando também, com a natureza.

Quando as chuvas começarem a cair, essas frutas todas vão madurar com mais abundância e velocidade. As feiras, os mercadinhos, os vendedores ambulantes, todos estarão abarrotados delas. Nós, que aqui vivemos, como sempre, estaremos onde elas estiverem, procurando-as por suas variedades mais doces, mais maduras, mais fartas e mais em conta. Levaremos, aonde formos, esses sabores, e nossos desejos de tê-los, como uma dádiva de Deus que o são.

Costumo dizer que tenho até pena de quem nunca provou um bacuri, um murici, um cupuaçu, uma jacama. Creio que essas são frutas dos Deuses, que nos legaram para poder nos atrair para seus reinos e seus mistérios. As chuvas ainda não vieram, mas já é inverno em nossos corações e em nossas almas, reafirmado pela presença das frutas da estação, pelos nomes, pelos cheiros, pelas cores, pelas formas, por tudo o que alimenta nossos sentimentos, lembranças e tradições dessa cidade linda, que teima em ser o que ela sempre foi: amor, ternura, rebeldia.

Na manhã de quarta-feira, as primeiras frutas se mostraram aos nossos olhos, e alimentaram nossos desejos e nossos corpos.  Parodio, cantando a canção: “Vê, estão chegando as frutas / Vê, nesta manhã tão linda”.

Olho a manhã, já clara e quente, espalhada pela janela, pelo vidro, pelo canto dos pássaros que saltam nas folhagens, bem em frente à minha janela, como a espreitar meus sentimentos. A manhã parece de sonho, tal a força magnética de sua luz branca, e do céu que nela impera: todo feito de azul.

Ainda é cedo para as chuvas descerem sobre a cidade. Mas dentro de nós, cai um temporal de verdes esperanças, e as águas frias vão mudando as cores da manhã. Amar a cidade é viver suas crenças, usos e costumes. É ressaltar sua riqueza natural. É preciso amar a cidade.   

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