Um lamento com sentido de esperança

 

Expoema eternaMenino, ainda, com idade em torno de dez anos, comecei a frequentar as exposições de gado, em nossa cidade. Eram realizadas no local onde funcionava o Fomento Animal, no bairro do Outeiro da Cruz, onde hoje está instalada a APAE.

Meu pai, que amava a vida campesina, e tinha uma fazenda rústica, na Ponta da Ilha, costumava levar minha mãe e seus filhos, para essas exposições.

Assim, aconteceu, todos os anos, até sua passagem, quando eu já fizera quinze anos de idade. Nos anos que se seguiram, sem meu pai para orquestrar nossas vidas, perdi o contato anual com aquelas exposições que, independente de nossas ausências, continuaram a acontecer ali, anualmente.

Aprendi, cedo, a amar a vida e os animais do campo: os cavalos, os bois, as vacas, os bezerros. Além deles, o cheiro da palha seca, a batida do pilão de arroz, de babaçu, a terra molhada, a bilha d’água, as canecas, as lamparinas, os lampiões a gás, os açudes, os currais, o leite mugido, a porteira da fazenda “Santo Antônio”. Aprendi aquele vocabulário peculiar, que traduzia a vida das pessoas que ali moravam e trabalhavam.

Cada vaca tinha um nome próprio, um nome seu, que a identificava. Eram como pessoas, para meu pai. Não chegavam a cento e cinquenta, mas pareciam muitas, quando, à tardinha, vinha deitar em frente de nossa casa, mugindo, e ali dormiam. Elas amanheciam mugindo, lento e compassado, trocando impressões, entre si, sobre o dia amanhecido e a pessoa de meu pai, já acordado, para tomar leite, quente e espumando, saído do ubre da vaca, na porteira do curral. Eu ia, sempre, com ele, feliz da vida.

Cedo, meu pai percebeu em mim, seu companheiro fiel e apaixonado, para os encantos da fazenda. Via como eu montava, como me relacionava com a família do vaqueiro, Seu Ludgero, especialmente, com o Florentino, de minha idade, para brincar, caçar passarinho, armar arapucas, para prendê-los e soltá-los, depois. Andar em animais selados ou não; banhar no açude, no riozinho e chegar, em casa, referido, arranhado por espinhos.

A mais bela égua da fazenda, uma campolina, de longo rabo, de trotar elegante e suave, de cor queimada, meu pai anunciou a todos, que era minha. Fez isso por sentir meu amor pelos animais e, especialmente, por ela, que eu gostava de dar banho, de acaricia-la e, conversar, sempre.

Essa decisão foi tão levada a sério que, mesmo após a passagem de meu pai, e meu afastamento da fazenda, Seu Ludgero e seus filhos, que não guardaram bem a raça daquela égua linda, chamava de raça Ivan, a ela e a seus descendentes. Assim foi, até hoje, na memória de Florentino, que ainda está vivo.

Só voltei a frequentar as nossas exposições de gado, quando comprei meu primeiro automóvel, já trabalhando como advogado. Naquela ocasião, já havia o Parque Independência, construído pelo governo do Estado, para o local permanente dessas exposições.

Por ali, passou minha primeira filha, Luciana, já com dois anos de idade, nos meus braços, para ver e sentir a beleza e a força dos animais ali expostos. Depois, minha filha Liana, também com seus dois anos. Mais, tarde, meu filho André, com a mesma idade. Por último, meu filho Caio, com a mesma idade também, tomando leite mugido, no copo, direto das tetas da vaca.

Foi assim, por todos os anos que me foi possível leva-los, para ensiná-los a ver, a sentir, a amar a vida do campo. Todos eles demonstraram, sempre, um grande prazer por estar, ali, passando a mão em animais, sendo fotografados a seus lados, passeando, comendo beiju, tomando caldo-de-cana, comendo maçã-do-amor.

A festa, então, não era paga. Todos, podíamos entrar, gratuitamente. As famílias aproveitavam, para ali estar, num processo de confraternização, anual, onde o que reinava era a alegria, o gosto de passear e visitar as exposições de animais.

Depois, instalaram as cobranças de entrada, por pessoa, quando vieram os shows de artistas sertanejos e outros. As famílias se contiveram, passaram a ir menos vezes, a levar menos pessoas. Mas o evento adquiriu uma característica de festa popular, com todos os bons e variados ingredientes dessas exposições, realizadas em nosso País.

Hoje, nossa Expoema está ameaçada de não acontecer este ano. Prejuízo para o agronegócio, para o turismo em nosso Estado, para as famílias e para as atividades culturais e técnicas, que são difundidas nesses eventos.

Esta crônica tem um sentimento de lamento, sim. Mas, também, possui um sentimento de esperança de que, um entendimento altruístico, possa selar o encontro de interesses entre Estado e produtores, e o evento venha acontecer, como todos os anos, esperamos. Esse evento interessa, com certeza, à economia de nosso Estado, às famílias, à nossa cultura agrária.

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.