Tudo é carnaval, como se fosse possível!

 

Carnaval antigoEstamos em plena segunda-feira, “gorda”, segundo dia de carnaval. O ano é 2016. Em curso o século XXI. Um fevereiro, aguacento, compõe os cenários da cidade. Mas a festa, popular, evoca tradições e lembranças, nas pessoas, no nome que ostenta.

Tudo é carnaval, como se fosse possível! E, como se fosse possível, nos tempos de agora, grupos muito variados e alegres de amigos, decidem realizar, nesta noite, “assaltos”, em várias residências de outros amigos, e combinam os locais e as horas de realizá-los.

Alguém explica, a uma pessoa dos tempos de agora, que “assaltos”, não são atos de banditismos, não são atos puníveis como crimes. São formas de chegar, de surpresa, em casa de amigos, nos dias de carnaval, fantasiados ou não, mas promovendo uma grande algazarra, com charanga e tudo mais.

Aos donos das casas, “assaltadas”, fica o encargo de bem receber; de abrir as portas e os cômodos de suas casas, aos amigos que chegam; para cantar, beber, dançar e fazer as alegrias de Momo. É carnaval!

Assim, reunidos, um grupo combina “assaltar”, fantasiado de Arlequins e Colombinas. Outro grupo decide que estará vestido de Dominós. E saem para ultimar suas vestimentas. Ainda é manhã.

Como se fosse possível, nesta manhã, os vendedores ambulantes de “cartolinas”, de óculos coloridos, de roque-roque, estão na Praça Deodoro, na Praça da Saudade, e andam pela Rua do Passeio, oferecendo seus produtos de carnaval às famílias, debruçadas nas janelas de suas residências, no circuito dos “corsos”.

Tudo é carnaval, dizem, com voz aguda, forte e repetida, as “mascaradas” que passam, em busca da vesperal do baile de máscara, “Gruta de Satã”, como se fosse possível. A tarde já chegou.

Como se fosse possível, meninas chamadas “de família”, jogam serpentinas e confetes sobre aqueles que lhes interessam, e atiram “lança perfume”, Rodoro, em suas camisas e lenços, comprazendo-se em vê-los cheirarem até, muitas vezes, caírem no chão, ou nos ombros dos amigos mais próximos.

As pessoas de agora, sem nada compreender, olham sem poder participar, das cenas que desfilam diante delas: parece um sonho; parece um filme; parece um devaneio; uma ilusão; parece ser o que não pode ser.

Tudo é carnaval! Como se fosse possível, duas tribos de índios se encontram, na mesma rua estreita, e travam uma batalha corporal, inspirados nos filmes de cowboys, até a chegada da polícia, de Jeep, sob o comando do delegado Penha. Alguém repete, insistentemente: Tudo é carnaval!

Do outro lado da rua, uma voz lamenta: – E todos deveriam estar brincando! E, como se fosse possível, do outro lado da manhã e da tarde que chegada, silenciosa, um grupo de fofões, de máscaras de papelão, muito  amedrontantes, vem ocupando a rua, fazendo zoada com os guizos de suas fantasias, e repetindo: – Oh lá, lá! – Oh, lá, lá! Crianças choram, com medo.

Os fofões seguem, amedrontando as crianças, exibindo uma boneca de pano ou plástico, para quem quiser pegar. Pois quem pegar ficará comprometido em dar algum trocado, para comprar a bebida alcoólica. Sem ela o carnaval fica travado. Mas tudo é carnaval!

Como se fosse possível, esta tarde, o “Vira-latas”, o “Pif-Paf”, os mais famosos e consagrados blocos carnavalescos, andarão pela cidade, com suas batidas cadenciadas e suas fantasias opulentas, em luxo e beleza, temporal. Estamos no século XXI, como se fosse possível.

Assim, também, embalada pelo movimento dos “corsos”, a “casinha-da-roça” desfila, no fim da tarde, levando o som do “tambor-de-crioula”, a beleza, excepcional, de sua concepção; e os saberes culturais que exercita e curte. Assim, exatamente, assim, como se fosse possível.

Até as crianças, imitando os adultos, enchem as ruas, com suas bisnagas de “Sangue-de-Momo”, e maizena, para jogar nas pessoas que passam. O primeiro, produzindo a sensação de uma mancha roxa, que vai se desmanchando, devagar, até sumir e levar o espanto e a raiva. A segunda, para sujar mesmo, para toldar de branco e misturar com água, aborrecendo quem a recebe. Assim, desse jeito, tudo é carnaval, como se fosse possível!

Artigo publicado no Jornal Pequeno, em 08.02.16, na coluna que o autor assina, às segundas-feiras.

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