A tristeza de “cinzas” e o canto da fraternidade social

 

 

QuaresmaPassado o carnaval, eclode a tristeza coletiva. Uma tristeza muda, oriunda das alegrias que se perderam; dos amores que duraram poucos dias; das promessas vãs; das fantasias que já não podem ser vestidas; das ousadias que viraram arrependimentos; de tudo o mais que foi consumido, no encanto das canções irreverentes e das levianas juras de amor.

Além disso, sobrevêm as amarguras, novamente, dos fatos que essa festa incentivou, mascarou ou encobriu. Esse reencontro, com a realidade cotidiana da vida, tem agenda certa, um tempo determinado no calendário cristão, com base na tradição que os usos e costumes do povo mantem viva: a quarta-feira de cinzas.

Por conta do desencanto, da tristeza das pessoas, pelo fim dos dias de carnaval, a cidade assume o seu lado triste, uma espécie de desencanto, de uma amargura social, mergulhada em “cinzas”. Uma catarse anunciada, como purificação, uma onda de tristeza e nostalgia que sobre ela se abate, e conduz ao recolhimento.

Em sua “Marcha da quarta-feira de cinzas”, Vinicius de Moraes, falando da tristeza exposta nas pessoas, pela festa que findou, diz: “Acabou o nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais brincando feliz/ E nos corações, saudades e cinzas/ Foi o que restou”.

Mais adiante, exorta: “No entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade”. E propala, em seguida, num apelo esperançoso e motivacional: “A tristeza que a gente tem/ Qualquer dia vai se acabar/ Todos vão sorrir/ Voltou a esperança/ É o povo que dança/ Contente da vida/ Feliz a cantar”.

A quarta-feira de cinzas, no entanto, marca o início da Quaresma. Aquele período dos quarenta dias, que antecedem a Páscoa, depois do carnaval. Nesse período, os cristãos devem realizar uma série de ações e se omitirem de realizar outras, preparando-se para o momento da Páscoa, quando é celebrada a ressurreição de Jesus Cristo.

Essa, a mais importante festa do cristianismo porque, sem a ressurreição ele não existiria. E nós, católicos, que amamos e tememos a Deus, devemos preparar nossos corações para essa festa litúrgica, que eleva, dignifica e restaura nossa igreja, tornando-a, a cada dia, mais próxima de seus seguidores.

Como acontece, todos os anos, a igreja católica tem aproveitado o início da Quaresma para lançar a “Campanha da Fraternidade”, que tem refletido suas preocupações com os problemas sociais de nosso país, levando milhares de fieis a adotarem atitudes proativas, mitigando esses problemas e construindo uma vida cristã mais solidária e participativa.

Este ano, a campanha escolheu o tema “Casa Comum, nossa responsabilidade”, com o objetivo de “chamar atenção para a questão do direito ao saneamento básico para todas as pessoas, buscando fortalecer o empenho, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro da Casa Comum, ou seja, do planeta Terra”.

Com a força desse tema, que envolve questões ambientais, objeto de preocupações de todos os países do mundo civilizado, a Campanha da Fraternidade, deste ano, adotou como lema o texto bíblico do profeta Amon: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”.

Em nosso país, cerca de 35 milhões de pessoas não possuem água tratada, em suas casas. Quase 100 milhões não possuem coleta de esgotos. Afirma o Instituto Trata Brasil. Além disso, mais de 7 milhões de pessoas não dispõem de banheiros. Por outro lado, 37% da água tratada é perdida com roubos, vazamentos e ligações clandestinas.

Para agravar esse quadro dramático e calamitoso, a chegada das chuvas, em todas as regiões do país, faz recrudescer os casos de dengue, zika, chikungunya, todos difundidos pelo aedes aegypti, que já é inimigo vital do mundo inteiro, declarado pela ONU, por seus efeitos de microcefalia e outros, em estudos, em recém-nascidos.

Bem-vinda a Campanha da Fraternidade que vem, como uma canção, com sua preocupação social e contagia. Com ela, a certeza de que: “É preciso cantar pra alegrar a cidade”, como propôs o poeta Vinicius.

Texto publicado no Jornal Pequeno, em 15.02.16, na coluna assinada pelo autor, às segundas-feiras.

2 thoughts on “A tristeza de “cinzas” e o canto da fraternidade social

  • 15 fevereiro, 2016 em 15:05
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    Querido amigo Ivan, além do belíssimo texto, você nos aprimora com um conhecimento dos mais expressivos dos problemas do nosso Maranhão: saneamento básico. Os parâmetros que você apresenta são tão precisos que, todos nós, devemos alertar nossos irmãos maranhenses para se cuidarem. E deviam ler, como devemos nos comportar nessas próximas eleições, para elegermos políticos voltados a este mal, que Mata a população carente das periferias das nossas cidades.
    PARABÉNS Amigão, pelo seu Artigo primoroso. Quiçá pudéssemos contar com sua sabedoria, nas próximas eleições, a fim de ajudar nossos irmãos maranhenses. Abraços do Amigão Rubens Rodrigues

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    • 15 fevereiro, 2016 em 15:23
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      Obrigado por essas palavras tão luminosas. Como um bom pastor, que protege e conduz seu rebanho, semeando o trigo, enquanto pastoreia, tuas palavras, como sementes, cairam
      em terreno fértil e vão produzir frutos.
      Estou pré-candidato a vereador, por nossa São Luís, e sei que estarei contando com teu apoio e dos teus parentes e amigos, também.
      Um abraço agradecido.

      Resposta

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