A cidade e os carnavais que o tempo eternizou

 

FofõesJá estamos na semana do carnaval. No fim desta semana, viveremos o domingo “gordo” dessa festa que, tradicionalmente, termina na quarta-feira de “cinzas”.

Um breve passeio pelas ruas da cidade revela a apatia das pessoas e dos cenários de agora: quase sem alegorias, quase sem foliões, quase sem fantasias, quase sem carnaval.

O tempo, agente de transformação de todas as coisas, cobriu de névoas os carnavais que embalaram a infância e a juventude de nossa geração, e que podem ser hoje, simplesmente, chamados de “carnavais do passado”.

Essa denominação não os associa, propriamente, às gerações, nem às épocas que eles marcaram. Mas, a peculiaridades que eles exibiram e que os caracterizaram, definitivamente, na memória de quem pode vivenciá-los.

Os bailes de máscaras, por exemplo. Tipicamente, populares, eram locais de disputada frequência por pessoas, de todas as classes sociais, escondidas sob o anonimato das fantasias e de suas máscaras de meias, pretas.

Quase sempre, empreendidos pela iniciativa privada, tinham ingresso pago e propagavam suas instalações e seus atrativos. Não tinham um local fixo, mudando de localização a cada ano. “Gruta de Satã”, “Bigorrilho” são nomes de bailes que me veem à lembrança, agora, associados ao nome do empreendedor mais famoso, seu Moisés.

Muitas pessoas gostavam de fazer “sereno” na porta desses bailes. Fazer “sereno” consistia em ficarem em frente ao prédio, amontoadas, para ver chegar as “mascaradas” e os homens, que tinham de ir sem máscara, de cara limpa mesmo.

Muitos romances, possivelmente, nasceram nesses bailes e muitos ali se desfizeram. Além disso, muitas aventuras de uma noite aconteceram, envolvendo pessoas que jamais ali estariam, com os rostos descobertos. Mas esses locais gozavam de extremo respeito e segurança.

Nos anos sessenta, atendendo a clamores de famílias e de religiosos, o então prefeito, Epitácio Cafeteira, proibiu a realização desses bailes. Isso transformou essa tradição em quase uma lenda, pelas estórias que dela restaram.

Também, pela saudade que deixou naqueles que tiveram o prazer de frequentá-los; nos que tiveram o gosto de serená-los, e naqueles que tiveram notícias, verdadeiras e falsas, de como eram seus salões; das surpresas que muitos tiveram ao descobrir quem eram suas companhias “mascaradas”, com as quais haviam dançado a noite inteira, trocado afagos, e alimentando expectativas de maior prazer.

Exímio dançarino, meu pai, desembargador, frequentou muitos desses bailes com amigos togados, na época. Quando entrava nesses locais, a orquestra parava para anunciar sua chegada e a companhia de seus costumeiros amigos, desembargadores: Nélson Jansen, Costa Fernandes e Evandro Rebelo.

Além deles, seu primo Chico Leite, de quem contava casos embaraçosos, e “Manduca” Bogéa, amigo e confidente leal, que chegava cedinho lá em casa, como os beija-flores do jardim. Sempre conversando, costumava acompanhá-lo ao Tribunal de Justiça, onde meu pai exercia o cargo de presidente.

Outra tradição, dos “carnavais do passado”, os “corsos” consistiam em caminhões, com suas carrocerias enfeitadas a gosto e, sobre elas, meninas, postadas lado a lado, se debruçavam, cantando marchinhas carnavalescas, animadas por uma pequena orquestra, no miolo dessas carrocerias.

Cada “corso” tinha um nome que o identificava, e uma beleza, caprichada, para competir com os demais. As famílias os saudavam com confetes e serpentinas jogados das janelas, em suas passagens triunfais.

A “Casinha da Roça” era outra tradição dos “carnavais do passado”. Uma típica casa de palha, montada sobre um caminhão, que circulava pelo circuito dos “corsos”, nas principais ruas da cidade, com todos os utensílios de uma casa rural: cozinha, fogareiro, panelas, lenha, pilão, lamparina e tudo mais. Dentro dela, brincantes de tambor-de-crioula iam tocando, o tempo todo, aquele som que enfeitiça a todos que o escutam um dia.

Os carnavais de agora são tão bons, e talvez tão belos, quanto os “carnavais do passado”. Apenas são diferentes, refletindo o tempo e a sociedade de agora. Os carnavais do futuro serão diferentes dos carnavais de agora, e refletirão o tempo e a sociedade do futuro.

Nota: Publicado no Jornal Pequeno em 01.02.2016, na coluna assinada pelo autor, às segundas-feiras.

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