Quando os tambores rufam


Tambor de crioulaNa última segunda-feira, dia 18, nossa cidade viveu um momento muito especial em sua história de quase 400 anos. Aqui estiveram, participando de uma solenidade exuberante, o ministro da Cultura, Gilberto Gil e o Conselho Consultivo do Iphan, que raríssimas vezes se reúne fora do Rio de Janeiro.

A solenidade, permeada de cantos, danças e rufar de tambores, teve por objetivo inscrever o nosso tambor de crioula como patrimônio imaterial da cultura brasileira. E isso foi feito, no espaço sagrado da Casa das Minas, sob as bênçãos de Dona Celeste, e sob o testemunho ansioso e gratificado de centenas de brincantes, que fizeram um cortejo e saíram em procissão, com o ministro Gil e membros do Conselho do Iphan, até a velha fábrica São Luís, onde está abrigada a Casa do Tambor de Crioula, recentemente inaugurada pela Prefeitura Municipal.

A partir de agora, essa envolvente e importante forma de manifestação da cultura popular maranhense, passa a integrar um seleto grupo de outras manifestações da cultura popular nacional, inscritas como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira. Entre elas, o frevo, de Pernambuco; o samba de roda, da Bahia; e o jongo, do Rio de Janeiro.

Essa inscrição representa um reconhecimento da maior relevância para a preservação do tambor de crioula, assegurando-nos que ele será documentado, estudado, reproduzido, divulgado, dentro e fora do Brasil, por constituir referência ao caráter e à identidade de nosso país.

Um dos primeiros estudos, documentados, do nosso tambor de crioula foi feito pelo saudoso amigo e professor Domingos Vieira Filho, publicado em um dos volumes do Caderno Brasileiro de Folclore. Mais do que uma tentativa de registrar para evitar seu desaparecimento, ao longo dos próximos séculos. Aquele trabalho representou um grande esforço de definir, de conceituar, de identificar o caráter dessa “brincadeira”, de natureza essencialmente profana.

De fato, o tambor de crioula, da forma como o conhecemos em nossa cidade, parece ter nascido, mesmo, nas senzalas, fruto do espírito extremamente lúdico dos negros escravos. Vindos das mais diversas regiões da África: Guiné, Angola, Moçambique. Eles trouxeram seus Deuses (orixás), seus cultos; suas danças rituais; suas crenças e suas devoções. Mas não lhes era permitido, no regime da escravidão, o cultivo desses Deus e de seus ritos devocionais.

Restou-lhes os lamentos, as preces solitárias e as danças profanas, como forma de relaxar das fainas diárias. O tambor de crioula, tudo indica, representa uma das formas de expressão lúdica dos negros escravizados, muitas vezes, provavelmente, com estímulo do próprio feitor.

Dança de origem africana, extremamente lasciva e sensual, ela é praticada por homens, que se revezam tocando os três únicos tambores que marcam suas batidas alucinantes; e por mulheres que dançam, requebrando-se e fazendo volteios, desafiando uma às outras através de umbigadas.

Os cantos são frases soltas, propostas por um dos tamboreiros, e repetidas por todos os demais, enquanto as mulheres dançam e nos contagiam, de forma quase magnética. Todos impulsionados por muita aguardente. É dança sensual, como já ficou dito, e nos irmana pelo som, pelo canto, pela beleza plástica que produz entre as saias rodadas e coloridas; entre os corpos que se contorcem em requebros; pelo que representa na história remota de todos nós.

Desde menino, aprendi a amar o som desses tambores, como o som das matracas do bumba-meu-boi. Isso era dever cultural, pois todas as festas populares que possuímos exibiam tambor de crioula. Isso era possível dado o seu caráter lúdico e sua desvinculação religiosa, o que não o atrelava a qualquer data no calendário litúrgico.

Tive, no ano de 2004, o privilégio de propor um projeto de lei, na Câmara Municipal, instituindo o dia 6 de setembro como Dia Municipal do Tambor de Crioula, como forma de realçar, de unir e de permitir a valorização, por parte dos órgãos institucionais. Hoje é lei.
A cidade esteve e continua em festa, por esses motivos. Os brincantes de tambor de crioula, os dirigentes da Associação de Tambor de Crioula do Maranhão, na pessoa de seu diretor, amigo Ubaldo, de Dona Raimundinha, como grande incentivadora.

De alguma maneira, todos nós, que vibramos com essa brincadeira, estamos em festa, com a certeza que muito mais do que os 65 grupos que estiveram fazendo a festa, naquele dia, farão nossos meses de junho, nos próximos séculos. Amar a cidade é fortalecer suas tradições culturais. É preciso amar a cidade.

3 thoughts on “Quando os tambores rufam

  • 29 junho, 2007 em 14:57
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    Oi Ivan,
    parabéns pelo blog. Concordo contigo. É uma forma bem bacana de comunicação principalmente os conteúdos são muito interessantes. Quero te mandar alguns poemas novos. Manda teu email para mim.
    Beijos, Au.

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  • 30 junho, 2007 em 12:42
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    RESPOSTA AURORA: Oi Aurora. Obrigado pelo estímulo. Ainda estamos aperfeiçoando seu conteúdo e agilizando a renovação de post. Meu e-mail é: ivansarney@uol.com.br
    Envia os poemas. Terei prazer em lê-los e isso, com certeza, me fará bem. Um beijo.

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  • 12 setembro, 2007 em 12:48
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    parabens, foi 10 seu blog. eu sou sua eterna eleitora. te espero em 2008. beijos ops eu e m inha familia

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