Fazendo preces a nosso Santo Antônio

 

Santo AntonioSegunda-feira, treze de junho. É hoje o Dia de Santo Antônio, um santo especialmente devotado, em nossa igreja católica, pela crença feminina em sua bondade em realizar casamentos, em reatar laços afetivos que se desprenderam, em recompor famílias.

É o santo padroeiro de nossa família, por absoluta devoção de meu pai, o desembargador Sarney de Araújo Costa. Todos os seus mais próximos amigos conheciam sua devoção, o homem religioso que ele era e, até mesmo, as formas como exteriorizava essa religiosidade.

Em nossa casa havia um oratório, com imagem de alguns santos. Santo Antônio ficava ao centro. Era ali, todos os dias, antes de dormir e, pela manhã, antes de sair, que ele fazia suas preces. Era ali, também, que aconteciam nossas ladainhas, sempre puxadas por ele ou por minha mãe.

Por essa devoção, também, que permanece cultivada, por todos nós, não saiamos ou entravamos em casa sem passar pelo santuário, para agradecer ou pedir proteção, fazendo o sinal da cruz, em reverência. Essa atitude era cobrada por nossa mãe, quando meu pai não estava em casa. Necessária, permaneceu, mesmo quando ele, habitando a eternidade, já não podia estar, fisicamente, conosco.

Atendendo essa devoção paterna, a igreja de Santo Antônio era aberta, todo mês, no dia 13, às 15h, para meu pai rezar, com mamãe e conosco. Quando entrávamos, sua porta era fechada. Ninguém mais podia entrar até que nós saíssemos. Uns filhos, éramos crianças; outros, adolescentes ainda.  

A ladainha do dia treze acontecia no santuário de nossa casa. Era longa, puxada, por meu pai. Quando já não foi possível, por minha mãe, com o mesmo zelo e rigor devocional. Todos os filhos estavam presentes. Para nós, era como se fosse uma obrigação. Ali estávamos, mesmo já casados e com filhos.

Essa ladainha sempre foi festiva, por reunir nossa família. Os onze filhos de minha mãe e nossos filhos, na harmonia que sempre reinou entre nós. Um encontro de irmãos, filhos, sobrinhos, primos e netos. Tudo regado a chocolate quente, a bolo de tapioca, a bolo de macaxeira, não-me-toques. Produção caseira, mesmo, do melhor sabor e qualidade: mamãe, tia Alzira, Loló e, mais tarde, as meninas, nossas irmãs.

No entanto, o Dia de Santo Antônio não era só a ladainha. Para as famílias de minha infância, especialmente, para as meninas, era o momento especial de fazer promessas, de exercer crendices, de dar asas às superstições, para que o santo, não só lhes arrumasse um bom casamento. Mas, também, para que lhes revelasse o nome ou as iniciais do nome, daquele com quem haveriam de casar.

Em nossa casa, as meninas costumavam por água em uma bacia média, acender uma vela pequena e, com a mão firmemente apoiada, deixar que a os pingos da vela, derretida, fossem caindo sobre a água parada na bacia. Esses pingos iam formando letras. Essas letras logo eram identificadas por elas com alguém ou, simplesmente, anotadas para a espera de outrem. Tudo isso era antecedido por uma prece, cheia de intensa fé, pedindo ao santo para mostrar o nome da pessoa.

Em outras famílias, além da bacia, quando era possível, as meninas costumavam cravar uma faca no tronco de uma bananeira, para retirar no outro dia. Quando retirada a faca deixava uma letra ou a indicação de uma letra que era a inicial do nome do futuro marido. O difícil era encontrar a bananeira, para tal crendice. Mas elas achavam e vibravam na espera.

A beleza e a força das tradições que herdamos de nossos antepassados constituem traços importantes de nossa identidade, das pessoas e do povo que somos. Representa as indestrutíveis ligações com nossos ancestrais, e precisam ser cultivadas por essas mesmas razões.

Essas tradições, em nossa família, continuam sendo cultivadas, em memória de nossos pais, em reafirmação de nossa identidade, dos valores que herdamos e que estamos transmitindo para nossos descendentes.

Em casa de minha irmã Josete, que meu pai chamava de Jeterli, estão sendo realizadas as ladainhas. Ali temos nos reunidos, anualmente, e nos reuniremos hoje, para rezar e agradecer a Deus por nossas vidas, por nossos pais, pelas vidas de nossos filhos, netos, sobrinhos. Ali, também, nos confraternizaremos, saboreando as oferendas de familiares que estarão sobre a mesa. Nossos eternizados, com certeza, estarão presentes.

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