Os grilos que cricrilam nas tardes de estio

 

Grilos e floresTodos os dias, no fim das tardes de estio, a natureza nos brinda com o som estridente, quase monocórdio, do cri-cri dos grilos. Ele eclode das ramadas verdes, que nos circundam e envolvem, entre o mangue da Lagoa da Jansen e o capim que sobrepuja a grama, sobre a terra nua.

Podem não ser grilos. Podem ser rãs, também, que assim se expressam, alardeando uma alegria que pode vir das águas, das fartas águas que têm umedecido a terra, fertilizando-a com o milagre da vida que dela emerge, e faz surgir as flores nos charcos, nos pântanos que, de manhã cedinho, atraem beija-flores e outros pássaros, para os trabalhos de tanger o pólen e fazer brotar mais espécies de vida.

Não são sapos, com certeza. Os sapos coaxam e seus coaxados são quase solitários e, absolutamente, monocórdios. Seus coaxos exibem uma tristeza, uma melancolia, como um lamento, como um brado de desencanto ou despedida. Mas, mesmo parecendo assim, é belo! Essa espécie de lamento tem sua função orgânica, talvez como forma de chamar atenção das rãs, de convidá-las para o acasalamento, tão natural nas espécies vivas.

Benditos, então, os que forem! Benditos, então, os que sejam! Benditas as suas funções na natureza: de procriar, de alimentar, e anunciar suas existências, com seu cricrido ou seu coaxo, com seu canto enfim, desarmônico, mas cheio de encanto, de apelo e lamentações.

Seja o que for, tenha o nome que tenha esse som, o importante é que ele existe e confere identidade às tardes e noites de estio. Existindo, representam a existência de espécies de vida, integrantes da cadeia alimentar, em nosso planeta: a cadeia alimentar de nossa flora.

Enquanto escrevo, os escuto soberbos, e agradeço a Deus possibilidade de estar vivo e de poder ouvi-los. Bendita a cidade que, na fria aridez urbana, ainda pode preservar essas raridades sonoras, e embalar nosso sono.

Com tanta verve, com tanta eloquência, com tanta cumplicidade, essa orquestra de grilos ou de rãs, diz a que veio. Ao fazê-lo, seus músicos, o fazem de uma forma contagiante, como se fizessem uma saudação à vida, ao mundo ao qual pertencem; à tarde que acontece agora, à noite que vai chegando em penumbra, dentro e fora do som que executam e, com o qual, nos brindam.

Nunca me dei à indagação de saber por que cricrilam os grilos. Nunca havia indagado, a mim mesmo, por que suas falas sonoras são tão estridentes; por que são tão enfáticas, por que são tão recorrentes? Igualmente, nunca pretendi saber o que querem comunicar quando cantam, quando se deixam ficar, horas e horas, repetindo, num mesmo tom, a mesma melodia, que tem o dom de ninar a quem a ouve.

Agora o faço, premido pela verdadeira orquestra de sons, quase uníssono, que emerge das bandas da lagoa e vem tomando a noite, depois de tanta chuva, nesta tarde e neste anoitecer de sexta-feira, dia primeiro de abril. Gostaria muito de saber o que indagam ou o que afirmam em seus eloquentes cricrilados.

O poeta Olavo Bilac, concluiu um dos seus mais belos sonetos “Ouvir Estrelas”, respondendo aos incrédulos, com os versos: “Amai para entendê-las / Pois só quem ama pode ter ouvidos / Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

A linguagem das estrelas, pelo encanto, pela sedução da luz, é mais sedutora, com certeza, que a linguagem de nossos invisíveis grilos, de nossas incertas rãs. Mas, em que pese o anonimato, o esconderijo entre as ramas das folhagens, as touceiras de capim, lhes conferem humildade e magia. Portanto, o som alegre, estridente, da linguagem que exercitam, nos encanta e prende, para ouvir e, de certo modo, se enternecer, também.

Assim, a natureza, em todo o esplendor de suas formas de vida, das vidas que se multiplicam em formas e espécies, vai mostrando as faces de suas lições e seus ensinamentos, que estão diante de nossos olhos, e ao alcance de nossos ouvidos.

Quase sempre, só precisamos de alguns minutos de contemplação, de êxtase, para sentir, para interpretar, para indagar, para concluir, que estamos em permanente formação, em nossa vida; que a natureza, sem qualquer custo financeiro, para nós, vai nos dando lições, cotidianas, de seus próprios infinitos, de sua imensidão, que não está somente nas coisas que a integram; mas, sobretudo, dentro de nós. Cantai grilos! Cantai rãs!

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