Um estranho e certo lugar do passado

 

 

DeodoroReencontro lembranças da cidade, em uma alegre manhã desta primavera. É novembro e devo participar de uma reunião na sede do meu partido político, o PTB, localizada no início da Rua do Sol.

Fica justo ali, na primeira quadra, onde moraram muitos dos meus amigos de infância. Amizades e recordações conservadas até hoje, mesmo com alguns morando distante de nossa cidade; mesmo que outros tenham partido de nosso plano astral.

Manhã de sábado e sol. Mas, além do compromisso político, enriquecido pela presença de quatro dezenas de pré-candidatos a vereador por São Luís, estava e está a cidade, empobrecida pela degradação de um de seus espaços urbanos mais tradicionais, integrante de nossa memória e de nossa identidade de cidadãos: A Praça Deodoro.

Ali, morando na Rua de Santaninha, frequentei desde menino. Havia muitas figueiras, jardins bem cuidados e bancos, ao longo de seus espaços; todos harmonizados por um grande e imponente coreto central, onde retretas tocavam nas tardes de domingo.

Houve o tempo em que a praça abrigou um pequeno zoológico, com animais de pequeno porte, expostos em jaulas modestas. Depois, vieram as Feiras de Livros, com barracas bem montadas, com livros de autores locais, nacionais e estrangeiros, vendidos a preços atraentes, para os cidadãos que lotavam seus espaços.

Mais tarde, ainda, vieram os carnavais, que tinham, na Deodoro, seu ponto de referência, de encontro de pessoas e blocos; seus odores de lança-perfume, e o charme das fantasias e dos mascarados.

Morando na Praça de Santaninha, era ali que brincávamos de “preto fugido”, de “bolinhas de gude”, de empinar “papagaios”, de “peladas” com bolas de meias, de borracha ou seringa. Era ali, também, que nos reuníamos: os jovens “amigos da praça”, já estudantes do ginásio, do clássico ou do científico, para disputas de conhecimento.

Divididos em dois grupos, fazíamos indagações para serem respondidas pelos integrantes do outro grupo. Assim, alternadamente, íamos contando os pontos, por respostas certas e erradas. No final, tinha um grupo vencedor. Mas, tudo era feito num clima de confraternização, de harmonia e paz.

Essa brincadeira, que durou muito tempo, nos conduziu a leituras sobre pintura, literatura, história, português, geografia, e contribuiu, de forma efetiva, para nossa formação cultural.

Depois vieram as “Feiras de Amostras”, que aconteciam na praça inteira, e que representaram uma atração especial para a cidade, com cantores, exposições comerciais, largos, músicas. Eram feiras que duravam mais de uma semana e ficaram guardadas na memória de quantos tiveram o privilégio de frequentá-las.

Disse que, além do compromisso político, estava e está a cidade. No entanto, a cidade que está em minhas lembranças, não está na cidade que está na Praça Deodoro ou, ainda, a Praça Deodoro que está na cidade, não está nas lembranças que estão em mim, da cidade bucólica que nos enterneceu a vida.

Vê-la, em sua forma e uso atuais, realça um sentimento tão estranho, como o próprio local, na alma de quem a viu e vê agora. Tão estranho que é preciso lamentar e intervir por ela, exposta a um processo de degradação que precisa e pode ser estancado, para o bem da cidade, já que ela é uma parte de seu coração.

A praça de agora, a praça que está ali, em nada condiz com sua própria história, com seu passado e suas formas, com as lembranças que ali ficaram eternizadas; nem com a sua função de praça, de logradouro público, de lazer e área verde, para aconchegar pessoas e o clima da cidade que habitam.

Quem sabe, o prefeito Edivaldo Júnior que, em louvável ação, tantas praças está reabilitando, possa inclui-la em seu projeto de reabilitação desses logradouros. Inclui-la, pelo significado urbanístico, histórico e afetivo que ela representa para a cidade, e para o local em que está inserida. Fica a sugestão e o apelo.

Nota: Artigo publicado no Jornal Pequeno, na segunda-feira, 14.12.15, na coluna que o autor assina nesse jornal.

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