A chuva densa e as águas subterrâneas

 

images (9)Sinto a chuva desabar sobre a cidade, nesta segunda-feira. Ela atravessa a madrugada e vem encontrar o dia, vestindo-o de um cinzento opaco, que vai oprimindo as crianças, a caminho da escola.

Tenho a umidade da manhã no vidro embaçado do automóvel, nas lembranças de minhas caminhadas juvenis para as aulas do Colégio Ateneu, do Liceu Maranhense. E já adolescente, para a Faculdade de Direito, na Rua do Sol. As lembranças de agora também são opacas, pois cobrem de névoa o tempo, as faces de tantos professores, colegas de turma, salas de aulas, bedéis de classes e amores juvenis que ficaram enternecidos, nos encantos do passado. Tudo é meio coberto de névoa, agora, no espelho de chuva. Mesmo a manhã, com tudo o que trás de renovação e esperanças, mesmo ela é opaca, porque parece coberta de neve.

Fico torcendo para que o dia seja todo assim, cinzento, úmido, molhado, opaco, e possa me conduzir como nos outros tempos, para caminhar com os pés nas sarjetas, contra a correnteza das águas ligeiras, que tantas vezes levaram nossos barquinhos de papel. Mas não levaram somente eles. Levaram nossas tardes, nossa juventude, nossas esperanças quase sempre, e pouco nos dávamos conta disso. Éramos jovens, tínhamos um mundo pela frente para viver desafios inimagináveis para nossos impulsos lúdicos. E o futuro não tinha para nós a ameaça fria de agora.

Nem as drogas, nem a violência, nem o crescente isolamento humano nos ameaçavam. Nada nos ameaçava senão a fugacidade das horas que pareciam muito curtas, para nossa insaciável vontade de brincar. As águas do inverno marcavam nossa vida, com o cinzento denso das nuvens que desciam pesadas sobre a cidade, às vezes, por dias e dias seguidos. Os trovões, os relâmpagos que oprimiam nossa liberdade, nos mantendo dentro de casa quase o dia todo, com os espelhos cobertos, com meu avô jogando café quente para cima do telhado, pedindo a Santa Luzia que fizesse a chuva cessar.

Eu sempre me indagava, vendo a chuva troar pesada nos telhados e no turbilhão das enxurradas, descendo as ladeiras da Rua do Sol: para onde vai tanta água? Ninguém me respondia, e eu tinha medo.

Na Rua do Alecrim, era sabido que aquelas águas desciam pela Boca de Lobo e iam encontrar o mar. Tudo, em verdade, ia encontrar o mar, em nossa cidade. Por todos os lados, cercada de rios, de águas que avançam salgadas para engordar os igarapés. Tudo numa ilha, vai ao encontro do mar. Aprendi mais tarde, já adolescente e quase adulto, essa verdade geológica

As águas desta manhã também vão encontrar o mar. Mas nesta manhã, as  águas da chuva têm um sentido diferente para mim. Diferente daquele tempo em que pensávamos que a água era um recurso inesgotável em nosso planeta. Hoje, sabemos que um dos maiores desafios que o homem enfrentará este Século será o de abastecimento de água para a população. Problemas de desmatamento assoreando rios; destruição de matas ciliares; poluição industrial dos mananciais, inclusive em suas nascentes; contaminação de lençóis freáticos; uso não racional dos recursos subterrâneos, com a perfuração indiscriminada de poços artesianos. Todos esses fatores constituem grave ameaça aos recursos hídricos do nosso planeta.

São Luís não está indiferente às preocupações mundiais com os recursos hídricos, especialmente com as águas subterrâneas. É preocupante a situação das águas subterrâneas de nossa ilha, pelo número sempre crescente de poços artesianos que têm sido perfurados, sem qualquer critério técnico e de forma indiscriminada, por quantos tenham interesse em fazê-lo. Essa forma indiscriminada de perfuração, já possibilitou que a água do mar penetrasse no lençol de água doce, em alguns locais, tornando-a salobra e impossibilitando-a para uso potável, senão a altíssimo custo. É uma das grandes ameaças que os nossos lençóis freáticos estão sofrendo: possibilidade de salinização de suas águas.

Por outro lado, com a perfuração indiscriminada, não é possível mensurar o volume de reserva hídrica do nosso subsolo, assim como, diagnosticar a qualidade da água que as pessoas estão utilizando, dado à proliferação de construção de fossas cépticas inadequadas, que também têm contaminado esses lençóis freáticos. Os conjuntos habitacionais, populares, representam bem essa situação de degradação ambiental, pois esses conjuntos, quase sempre descarregam seus efluentes em mananciais da ilha.

Precisamos, urgentemente, realizar o diagnóstico ambiental da Ilha de São Luís para conhecermos as ocorrências que estão causando danos ao meio ambiente, em nossa ilha, e possamos encontrar as formas de eliminar esses danos, com ações eficazes, inclusive penalizando seus responsáveis.

Tenho informações técnicas que, muitas vezes, a água que a Caema distribui na cidade, não contém flúor e, o que é pior ainda, não contém cloro.  E a água que abastece a nossa cidade, em sua grande maioria, provém do rio Itapecuru que sabidamente está sofrendo um processo grave de degradação, com elevado teor de poluição química e destruição de sua mata ciliar.

Estamos falando em volume, mas também na qualidade da água que temos e da que queremos para nossa cidade, para nossa população, visando melhorar a nossa qualidade de vida. Precisamos, com igual urgência, realizar o inventário de todos os poços da ilha, com suas capacidades produtivas e conhecer qualidade de suas águas. Com isso, poderemos avaliar a quantidade de águas que temos em nosso subsolo, e dar um tratamento racional ao uso dessa água e à proteção de sua qualidade. Usar racionalmente os nossos recursos naturais é uma forma de preservar a existência de nossa própria espécie animal e de todos os outros seres vivos do nosso planeta. Amar a cidade é projetar os olhos para além deste milênio, com os compromissos de buscar o desenvolvimento sustentável, tão essencial para sobrevivência do nosso planeta. É preciso amar a cidade.

 

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