A velha fábrica ainda pede socorro

 

images (15)Quem vai pelo anel viário, no sentido do Bacanga, pode contemplá-la sempre, na imponência de suas formas arquitetônicas, no duro e amargo silêncio com que nos espreita, denunciando seu abandono. Ela está ali, bem ao lado da antiga Cânhamo, hoje restaurada e transformada num centro de produção e comercialização de artesanatos: o Ceprama.

Vista do anel viário, donde podemos contemplá-la mais ostensivamente, ela oferece aos nossos olhos curiosos, um comovente espetáculo de arruinamento, de obsolescência, de inutilidade material, nos tempos tão contraditórios de agora. Estou me referindo à velha fábrica São Luís, integrante do parque fabril, de indústria têxtil, que possuíamos no Maranhão até a década de sessenta, quando nossa cidade abrigava seis unidades desse parque: Rio Anil, Camboa, Fabril, Santa Isabel, Cânhamo e São Luís.

O que nos parece uma paisagem incômoda, em contraste com o verde líquido das águas do Bacanga, do verde vegetal dos coqueiros que florescem em suas imediações, é mais que uma paisagem, projetada sobre nosso inconformismo. O que nos parece uma paisagem incômoda é, em verdade, uma falta grave para com a preservação dessa parte de nossa história, de nosso acervo patrimonial, que deveria estar sendo objeto de estudos arqueológicos, para inventariar todas as unidades fabris que a cidade possuía, no final do século XIX, e que se estenderam até o início dos anos sessenta, do século XX.

Digo descaso porque a velha fábrica, que se encontra em processo de acentuado arruinamento, há muito está clamando por uma intervenção que  devolva sua dignidade arquitetônica e a reintegre ao uso da comunidade.

Vê-la, como a vemos, todos os dias, entregue à sua própria sorte, à sanha destruidora do tempo, chega a doer em nossa alma, sugerindo nossa incapacidade para preservar elementos vivos de nossa história recente, tão importantes para a construção da identidade das novas gerações.

A restauração da antiga fábrica Cânhamo, dentro das propostas de revitalização do Projeto Praia Grande, representou um importante momento para a cidade, no tocante ao trabalho de preservação de seu acervo cultural. Essa importância se deveu não somente à sua proposta de utilização, mas também aos critérios adotados para a restauração, buscando inteira fidelidade à sua arquitetura fabril, mantendo sua estrutura importada da Inglaterra, suas telhas francesas, alguns de seus equipamentos industriais.

Mas a velha fábrica São Luís está ali, quase que absolutamente abandonada, em suas carências mais agudas, como a cobertura, por exemplo, que pode significar o comprometimento de suas estruturas metálicas, a estabilidade de toda a sua construção grandiosa.

Por que não restaurá-la agora, dando continuidade ao projeto de revitalização do acervo arquitetônico e paisagístico que possuímos? O fato da área da Praia Grande ter sido tombada pela UNESCO, como “Patrimônio da Humanidade”, continua atraindo, para cá, centenas de pessoas que veem com o desejo de conhecer uma cidade de quase 402 anos, fundada por franceses, que tem ainda preservado um grande conjunto urbano, como testemunho de sua colonização portuguesa.

Temos carências de espaços no Centro Histórico para abrigar uma série de novos serviços, já que a área é toda muito densa de construções, não restando outras opções senão o aproveitamento desses prédios, como ponto de acomodação de funções e equipamentos urbanos de que ela necessita. Entre esses equipamentos, por exemplo, temos uma grande carência de escolas de primeiro e de segundo graus, na área tombada, e temos poucos espaços adequados para abrigá-las.

A sugestão que me ocorre deixar, agora, é que possamos restaurar a bela e velha fábrica São Luís, para abrigar ali uma escola do primeiro grau ou ainda, um grande centro de restauro para o mobiliário, a azulejaria, a imaginária, dentro do quadro de necessidades que temos, nos trabalhos da preservação. Outra sugestão é que ali possa ser um grande centro comunitário, onde poderão estar instaladas várias organizações não governamentais de nossa cidade.

Quantas lembranças dormem ali! Quantos sonhos e quantas esperanças ali se materializaram! Quantas famílias ainda guardam na memória o apito daquela fábrica, que tocava anunciando a entrada e o término da jornada de trabalho. 

As ruínas da velha fábrica representam um testemunho da decadência econômica do Maranhão, na metade deste século. Mas representam também um desafio à nossa capacidade realizadora, ao nosso amor por nossas tradições, e à nossa responsabilidade de homens públicos. A velha fábrica hoje é propriedade do município. A oportuna e necessária parceria institucional com o governo do estado pode ser o caminho de viabilizarmos o resgate desse monumento. Não deixemos que se agrave o processo de seu arruinamento. Amar a cidade é resgatar seus monumentos, sua história, sua identidade.  É preciso amar a cidade.

 

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