Mas o pássaro não veio esta manhã

ele não veioO pequeno pássaro não veio esta manhã. Ele que vem, invariavelmente, todos os dias, registrar sua presença, entre as imagens que a manhã oferece aos meus olhos de paz e de esperança. Ele que vem, impreterivelmente, ser arauto da alegria e mensageiro de minha felicidade, com a luz que esparze com seu sibilo, com suas asas ligeiras, com sua amável e lúdica postura, ante o vidro, e ante meus olhos despertados.

Ele não veio, e deixou um vazio profundo neste espaço da manhã. Um vazio tagarela, tão eloquente quanto a sua presença; tão denso, tão farto, tão meu que vejo a manhã há pouco anunciada, pelos raios tímidos de um sol risonho, neste final de maio.

O que há de mim, dentro da manhã, neste momento, é o pássaro ausente. Ele e sua imagem de pássaro, frágil, pequeno, ligeiro, a saltar sobre a grade de alumínio e a mirar-se num espelho invisível, para meus olhos humanos. O que há do pássaro, dentro da manhã, é sua ausência, a sombra que ele consegue projetar com sua lembrança, com sua imagem gravada na luz e na grade da janela, de uma forma claramente virtual.

O que há da manhã, dentro de mim, é a lembrança do pássaro, o lamento de não vê-lo, neste dia de maio, nesta manhã branca de quarta-feira, em que me deixo ficar, bem cedinho, entregue aos encantos de minhas verdades. O que há da manhã, dentro do pássaro, é a alegre sinfonia do vento, sacudindo os coqueiros, o orvalho tímido da noite que deixa no vidro seus vestígios de umidade; que deixa, nas plantas, translúcidas gotas de orvalho que tremem e caem, como lágrimas de regozijo.

Estou só, na sala, entregue à casualidade imprevisível das horas. Penso que tenho um caminho a percorrer agora. Um caminho em que, na verdade, já estou percorrendo, onde já me encontro e planto meus sonhos e minhas esperanças. Penso que a política, em seu sentido mais nobre e socialmente desejável, precisa dos filósofos e dos poetas.

Os primeiros, para fazerem as indagações, para perquirirem as origens, as motivações, as causas, e elucidarem seus efeitos, sob a luz da razão e da ciência. Os segundos, para sonharem mesmo, para apontarem os rumos da esperança, para criarem a motivação da alma, para envolverem os sentimentos mais esteticamente belos, mais eticamente positivos, mais humanamente desejáveis.

Os poetas, para sonharem o amanhã e abrirem com seus sonhos, as portas do futuro. Por essa razão, me encontro nesse caminho e planto, com meus cantos de esperança, as sementes da reconstrução do homem e da sociedade, que os novos tempos precisarão.
Onde estão nossos aliados? Onde estão os que, como nós, sonham com um mundo renascido, com um amor renascido, com toda a grande ordem universal, realimentada por renovadas forças espirituais, que nos levem ao encontro de Deus e de sua plenitude?

Onde estão os que, como nós, sentem a responsabilidade de sua existência; sentem que a vida só é verdadeiramente vida quando se reparte com os sentimentos de outras vidas, de cuja essência decorre? Onde estão os homens que crêem na família, como o ponto de definição e sustentáculo de uma sociedade? Onde estão?

Olho em torno de nós e vejo que eles estão aqui, entre nós mesmos, cheios de otimismo, cheios de íntima vontade, de ver acontecerem seus sonhos e suas esperanças. Eles estão aqui e estão participando da transformação da vida, operando mudanças com seus sentimentos e suas atitudes positivas. Eles estão aqui e vamos nos dar as mãos, numa grande corrente em favor da família, em favor das crianças, dos adolescentes, dos adultos, dos idosos, do meio ambiente, de nosso tempo e do tempo que há de vir.

Em verdade, metade do mundo, queiramos ou não, se contraporá às nossas  condutas. Sendo bons, os maus não nos perdoarão. Eles estarão contra nós. Sendo maus, os bons não nos pouparão. Eles estarão contra nós. Nós, que somos construtores da paz, da esperança, do futuro, temos que compor uma grande ciranda universal, de mãos dadas: com crença, com gestos, com esperanças no triunfo do homem, e em sua plenitude espiritual, moral e intelectual. Tudo isso, só alcançaremos, com a crença na luz, na energia, na ideia de Deus, sem teocentrismos sectários, mas buscando nas inspirações iluministas, a base do novo humanismo que precisamos fazer vingar.

De dentro de mim, um pássaro fraterno, ajeita as asas, afina o canto e salta, para cumprir sua missão, para escrever seu destino de pássaro: cantando, fecundando a terra, espalhando a alegria, celebrando a liberdade, contribuindo para o florescimento da vida renovada, com seu exemplo de paz.

Escrevo na face desta manhã, o pensamento que alimenta minha caminhada de agora: A política precisa de filósofos e de poetas, para reconstruir o homem e a sociedade.

“Fica decretado, que agora vale a verdade/ Que agora vale a vida / E que, de mãos dadas / Trabalharemos todos, pela vida verdadeira/ Fica decretado, que todos os dias da semana/ Inclusive as sextas-feiras mais cinzentas/ Têm direito a converter-se em manhãs de domingo…” (Thiago de Mello). Amar a cidade é ter ouvidos para ouvir e olhos para ver a sinfonia da natureza. É preciso amar a cidade.

 

One thought on “Mas o pássaro não veio esta manhã

  • 28 junho, 2010 em 20:51
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    Ilustre Ivan Sarney, lembro que quando tinha uns 8 ou 9 anos de idade no ano de 1992 ou 1993, passava no intervalo da rede globo (programação local) suas frases, poemas, … com uma musica de fundo, o que me chamava bastante atenção naquele instante.
    Hoje aos 25 anos, sou um leitor do seu blog e somente agora tive um tempo para comentar. Gostei muito deste ‘post’ e concordo com você que a política precisa de poetas e filósofos.
    Sei que você é um grande poeta, já que escreve tão bem, onde um simples cantar de um pássaro é fonte de inspiração para um belo texto totalmente racional. Como minha formação é na área de ciências exatas (computação), sinceramente não sei a classificação dos poetas que escrevem algo com inspiração desse tipo, e indo mais a fundo (devido a minha pequena ignorância rs) nem sei se os poetas podem ser classificados, caso eu esteja certo disso, irei classificá-lo como um “Poeta Natural”.
    O lado filósofo fica claro em alguns outros post’s anteriores lidos por mim (os camaleões e o muro), só que mais que um filósofo você deve ser um grande pai de família, pois sempre o vejo nos shoppings da nossa cidade com sua esposa seu filho(a) (um bebê em seu carrinho). Fica claro em seus Post’s a preocupação que você tem com a família o que me faz lembrar das palavras da minha avó “a família é base de tudo, porque a convivência faz o amor”.
    Um forte abraço.
    Fernando

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