Os bons presságios da chuva

 

download (1)Até os menos atentos às mutações da natureza, já puderam perceber que algo inusitado está acontecendo em nossa cidade, nestes meados de outubro, invadindo, de fertilidade e luz, o árido e seco mês de setembro. Não preciso dizer que é a chuva. Nem julgo correto afirmar, assim, de forma concludente e no singular.

O certo mesmo é registrar: as chuvas, com toda a pujança do plural, para sentir e tentar entender a novidade que vem com os ventos fartos do inverno, com o canto redobrado dos pássaros, e com as primeiras garças que estão retornando à lagoa, e começam a dar espetáculos matinais e vespertinos, cotidianos enfim, aos olhos deslumbrados dos que caminham ou passam por ali.

As chuvas, então, com o rigor plural de suas formas, ritmos, densidades, durações, estão enchendo a cidade de carícias, abrandando o calor, varrendo os telhados, as avenidas, as ruas; sacudindo as formas, o sorriso e a inocência  de nosso pequeno Caio; alentando as esperanças de mudanças climáticas reais, em nossa cidade; alterando hábitos; abrandando o estresse de tantos, e espalhando a fertilidade em toda a verde natureza que a recolhe.

Os lençóis subterrâneos agradecem. Os pássaros e todos os seres alados, também, agradecem e mostram isso, cantando, de todas as formas e em todos os estilos e sons, por onde passamos. E quem tiver ouvidos para ouvir que ouça, a maravilha do espetáculo que anda a embalar as tardes de agora.

Os olhos, o sorriso, a alma sublime de Janaína já registraram essa mutação e esse espetáculo, e me ajudam a perceber suas nuances, nas caminhadas que empreendemos ou nas jornadas que cumprimos na academia, quase toda manhã, construindo o amor, a felicidade que nos une e que, com as graças de Deus, não terá fim em nossas vidas.

Elas chegam de forma súbita, escolhendo as manhãs, para mostrar suas faces. Vão-se armando rápidas, com vento forte, enchendo de cinzento uma parte de céu, quase sempre azul, aos nossos olhos, sentimentos e lembranças. E vão tomando conta do tempo, expandindo seus laços, seus elos, e dando tempo para buscarmos abrigos, enquanto reinam, absolutas, no céu, nos telhados e no chão.

Quando reinam, quando descem e se precipitam sobre os automóveis, sobre os corpos, sobre todas as formas impotentes que banham, são feitas de pingos grossos e brilhantes, quase como agulhas líquidas que não penetram os corpos, mas chegam a doer quando resvalam sobre nossas peles, buscando seus destinos de águas.

Os destinos das águas doces é, quase sempre, o mar. Mas nem todas as águas podem chegar ao mar, muito embora seja essa sua missão, quando escorrem oriundas dos córregos, dos rios, das geleiras, das chuvas, descendo as sarjetas e se comprimindo nos canos de esgotamento.

A rigor, nem todas as águas doces têm o mar como destino final. Boa parte delas, por uma necessidade imposta pela ordem natural, vai ser absorvida pelos solos, para fecundar a vida vegetal e animal que neles habita. Outra parte vai percolar os solos, e alimentar os lençóis subterrâneos, constituir nossas reservas do futuro, prover vidas   que delas não se beneficiam quando distribuídas por canalização. Outra parte, ainda, vai voltar a ser nuvem, evaporando-se pelo efeito do calor, e vai constituir as próximas chuvas, completando seu ciclo natural.

Mas as chuvas que têm caído sobre a cidade, nos pegando de surpresa, de certa forma, pela maneira inusitada com que vem acontecendo – numa estação que, para nós, é de inteiro reinado do sol e dos ventos – não têm durado mais que uma hora. E sendo assim, elas dizem a que vêem. E dizendo a que vêem elas nos convidam a recebê-las com alegria, e nos dão motivações maiores para entender suas presenças, para prepararmos nossas próprias mudanças, para vivermos seus encantos e suas magias.

O encanto e a magia das chuvas estão no simbolismo das próprias águas, de toda a sua importância para a existência da vida, na Terra. Essa importância pode ser resumida em uma única palavra: fecundidade. É a água que dá à planta, o milagre da flor, como lembra o poeta Thiago de Mello, no poema Estatutos do Homem. É a água que dá à vida o milagre de sua própria existência, seja qual for a sua forma, em nosso Planeta.

Como faz bem, portanto, que as chuvas estejam acontecendo assim, quase anacrônicas, neste verão atípico que nos envolve, e que nos impele às mudanças. A natureza dá o exemplo, promovendo esperanças nas mudanças que opera e realiza, nos conduzindo a olhar para o céu. Essas mudanças constituem bons presságios para os tempos que vimos e estamos vivendo, no convívio dos homens, em nosso País. Amar a cidade é sentir os presságios da chuva. É preciso amar a cidade.

 

One thought on “Os bons presságios da chuva

  • 1 novembro, 2014 em 18:22
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    Alegro-me por alguém falar da chuva, em especial por alguém do Maranhão. Sou do Ceará e já morei no Maranhão quando criança e depois de adulto entre 1973 e 1981. Na primeira fase, era uma criança que via o Maranhão quase esvair-se em água. Lembro quando no município de Pedreiras, em 1952/53, chovia uma semana inteira, fazendo as estradas transformarem-se em rios e os igarapés em verdadeiros Solimões.Não havia carros, nem trens nem barcos, só braços.
    Em 1973/1981, São Luis, histórica, bonita, povo amigo. Muita chuva, sem dilúvio. Princípio do desmatamento. Chegada da construção civil em massa, liderada por construtoras do Ceará.
    Inicia-se o processo de construção de casas isoladas pela iniciativa particular, com financiamento da CEF ( antes só conjuntos-MA Novo, Bequimão, Casa Popular,COAFUMA, e tantos outros), que perdura até hoje, construindo, desbravando, desmatando e poluindo. É o “progresso” que fez secar as fontes tradicionais de água da CAEMA. Foi a chegada do projeto carajás e a ALCOA que fez a Bela São Luiz, hoje pintada e espelhada São Luiz, que não é mais bela. Não é bela porque acabaram com os riachos e córregos dentro da ilha, que eram as maravilhas que toda cidade deseja. Cadê o Maioba? cadê o Paço do Lumiar onde meus filhos brincavam à sombra dos pés de juçara (ou jussara), banhando-se no riacho alí existente? que saudade. O homem é assim. Usa e abusa das maravilhas da natureza e depois destrói, sob o pretexto de que está progredindo. Depois quer novamente e a natureza não lhe fornece mais. Tudo isto, para dizer, que sem a chuva, que o homem mandou embora, o Maranhão está ficando feio, não só São Luis. Estão acabando o babaçu (louvo Chapadinha pelo que lá ainda resta dessa riqueza vegetal), mas nem todos os municípios tem esse privilégio. Salvem o babaçu enquanto é tempo, salvem o Maranhão da sanha desmedida da agro-industria, da agro-pecuária, daqueles que só enxergam o hoje, e como se o hoje deles durasse mil anos. Salvem a selva e a chuva virá. Matem a floresta e morram juntos com ela.
    A sua crônica foi muito bonita e oportuna. Há tempos, queria eu, dizer isso, pois não dá para ser feliz, quando atravesso o Campo de Perizes e não vejo mais uma haste sequer, daquele junco verde que escondia a água alí existente; Não vejo mais os riachos do Paço do Lumiar, mas somente avenidas, que não deixam distinguir São Luis de São José ou do Paço do Lumiar. As cidades foram tragadas pela expansão imobiliária e perderam sua identidade, não sabemos mais onde começam ou onde terminam, a não ser pela ajuda do mar. Inventaram até uma sandice chamada Caôlho. Esse nome eu conheço como a palavra usada para designar a pessoa que tem a visão distorcida ou uma visão prejudicada. Parece que quem inventou esse nome tinha mesmo a visão distorcida, ou miopia, que é o enxergar duas imagens quando só existe uma. No caso, nem sei explicar, pois enxergou três quando havia dois. Salve a praia do calhau!!! Salve a praia do Olho d’agua!!! e deixem vivo o que resta do verde da bela ilha de São Luis.

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