Muito além do incerto amanhã

O amigo e escritor José Louzeiro, na palestra que proferiu na Academia Maranhense de Letras, na última terça-feira, fez questão de registrar seu inconformismo com o estado de abandono em que se encontra o precioso conjunto urbano que possuímos, em nosso Centro Histórico. Abandono por parte do poder público que não consegue impedir as descaracterizações a que esse conjunto está sendo submetido, pela pressão do comércio para adaptá-los para novos usos; pela invasão desordenada e implacável dos automóveis; pelo desprezo aos cidadãos; pelo comércio informal que ocupa suas ruas; pelo vazio de seu silêncio noturno.  

A pacata cidade que habitamos, quando criança e adolescentes, recolheu sua alma na memória dos que tiveram o privilégio de conhecê-la.  Privilégio de caminhar ou dirigir por suas ruas; de freqüentar suas festas populares; de estudar em suas escolas públicas; de amar ou ser amado, por suas meninas recatadas; de usar seus bondes elétricos, como meio de locomoção, a trabalho ou lazer; de freqüentar suas praças ajardinadas; de assistir filmes no cine Roxy ou no Éden, onde muitos namoros se iniciavam e aconteciam; de fazer serenatas, em suas madrugadas, com poesias e canções apaixonadas.

Essa pacata São Luís, hoje, é apenas um quadro na memória. Um quadro recorrente, muitas vezes, no confronto da cidade que pulsa e se transforma, com incrível velocidade; estendendo seus limites urbanos; multiplicando sua população, seus veículos automotivos; incorporando valores culturais; adensando suas moradias; sufocando seus cursos d’água; destruindo seus manguezais.

A cidade pacata que conhecemos, de oitenta mil habitantes, possui hoje, seguramente, mais de um milhão de cidadãos. A mesma cidade pacata, possuidora de uma frota automotiva que não passava de cincoenta veículos, hoje possui mais de duzentos mil. E esse número está crescendo, a cada dia, em ritmo veloz. Basta olhar as dezenas e dezenas de veículos que estão circulando sem placas, em nossa cidade. Este problema já foi objeto de minhas preocupações expressadas, neste espaço, em dois outros artigos.

As revendedoras das principais marcas nacionais, que se digladiam em campanhas mercadológicas, anunciam marcas superadas de vendas, mensais, que somam, juntas, mais de três mil unidades. Essas vendas, crescentes nos últimos anos, estão associadas a uma estabilidade econômica consolidada, com taxas de juros em queda, com aumento do poder aquisitivo da população, com aumento da oferta de emprego, com melhor distribuição de renda; apesar de todas as mazelas que continuam a nos afligir, sob aspecto da habitação, da saúde, da educação, da tributação, da segurança cidadã.

Essa realidade aponta para o crescimento econômico de nossa população, incorporando novos veículos automotivos; ampliando moradias; serviços; oferta de empregos; aumento nas faixas renda familiar. Essa mesma realidade também aponta para um futuro preocupante, que exige um planejamento eficiente e imediato, para que nossa cidade não venha tornar-se inviável, insustentável como cidade, num futuro próximo.

A cidade que nos viu criança e adolescentes começou a expandir-se, a ganhar expressão urbanística moderna, com a construção da ponte José Sarney, que ligou aquela cidade pacata, à ponta de São Francisco. A partir dessa obra grandiosa, em seu sentido social, aconteceu toda a ocupação populacional que formou os bairros novos, que nossa cidade incorporou.

A malha viária que possuímos, hoje, também foi planejada e executada, quase em sua totalidade, no governo do poeta José Sarney. Essa malha viária teve no engenheiro Haroldo Tavares seu grande planejador e executor, quando secretário e, depois, como prefeito, quando fez construir o Anel Viário: fundamental para escoamento do tráfego, nos dias atuais.

São Luís, no entanto, não possui avenidas largas e modernas, (com exceção da Guajajaras), porque o planejamento que dimensionou essas vias não previu, e seria difícil fazê-lo, a cidade do século XXI que estamos vivendo, com tantas demandas de ocupação de seus espaços territoriais, com tanto adensamento populacional.

O crescimento vertiginoso da frota automotiva, em nossa cidade, se não forem adotadas medidas saneadoras, em curto prazo, poderá nos conduzir à adoção do rodízio de veículos, como ocorre hoje na cidade de São Paulo. A duplicação da Avenida dos Holandeses e da Jerônimo de Albuquerque, que desempenham função especial no sistema de tráfego que possuímos, pode ser uma das soluções que precisamos tomar, para reverter essa previsão. A continuidade da Avenida Litorânea, até ao Olho D´água, seria importantíssimo como alternativa para desafogar a Avenida dos Holandeses, e melhor urbanizar aquele espaço praiano.

Bairros como João Paulo, Monte Castelo e Cohafuma, que possuem pistas estreitas para o fluxo de veículos que recebem, demonstram que o planejamento que as precedeu não conseguiu vislumbrar a cidade em que São Luís se transformou, com a incorporação de novos bairros e as invasões que foram se consolidando, ao longo do tempo.

Muitas vezes, para melhor fluidez do tráfego, basta um pouco de bom senso, sinalização adequada, presença de polícia orientadora, em horas de maior fluxo, como aconteceu com as modificações ocorridas na Avenida Beira Mar. O trafego ali, sem dúvida alguma, ficou muito melhor, permitindo mais rápido fluxo na ponte e em todo aquele micro sistema de vias que se interligam, facilitando a ligação do Centro Histórico com suas adjacências. A cidade está precisando de intervenções renovadoras, que possam representar sua redenção, no que estou chamando de incerto amanhã.

ivansarney@uol.com.br

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