O encanto de tornar às aulas


Olho a paisagem colorida, que vai compondo a manhã, nesta quinta-feira, com o mês de fevereiro em curso, já passado o carnaval. Em torno de mim, são faces, são corpos queimados de sol, são passos que andam apressados, em várias direções, no rumo de seus deveres, de seus compromissos consigo, com as escolas, com seus próprios futuros.

Acabaram-se as férias, as longas férias de fim de ano. O carnaval passou, com todos os seus devaneios, com suas ilusões e fantasias. Parece que o ano, realmente, só está começando agora, quando a chuva começa, quando as aulas começam, quando começam as novas esperanças.

Para onde convergirão seus pensamentos, seus passos apressados? Com os passos firmes ou vacilantes, alegres ou menos humorados, marcham para as salas de aula, para o encontro com os amigos, com os novos professores; marcham para além da escola, para o futuro, para o amanhã.

Eles enchem as ruas de alegria, de esperança, da música que representam, com a simples presença de seus corpos, de seus sinos, de suas vidas. São crianças, são jovens, adolescentes, que se preparam para viver seus destinos, sob os cuidados dos pais, sob os rigores das escolas, sob os desígnios de Deus, como partículas vivas, de um universo em movimento.

Até a pequena Maria Clara, moradora aqui do prédio, bem-querer de Janaína, que ainda não completou dois anos, já vai para sua escola, a creche Conviver, do outro lado da rua. Vai, pelas mãos do pai, caminhando devagar, cedinho da manhã, puxando uma mochila de duas rodas, toda compenetrada. E não olha para trás, no encanto lúdico do encontro, das novas amizades infantis, do aprendizado sob orientação pedagógica, das brincadeiras, de tudo o que é magia e desconhecido, mas que logo seduz e cativa, além do ambiente familiar.

Nas faces dos jovens, em torno da manhã, uma exuberante e tagarela alegria veste-se de orgulho, e é bom que seja assim. Um orgulho inominado, tão próprio da juventude quando se põe a percorrer caminhos, não importando aonde esses caminhos a conduzam. Mas eles, os jovens estudantes, com absoluta certeza, são o mais lúcido e claro sinal de esperança que encontro, nesta manhã, muito além das chuvas.

Nada como as férias, quando se é estudante, movido pelo ímpeto de brincar, de amar, de não ter compromissos e responsabilidades com nada que não seja conosco mesmo, com nosso bem estar. Mas nada, também, como a alegria de tornar às aulas, quando as férias terminam, e tudo, de repente, é lembranças, saudades, desejos de reencontro e recomeço.

Assim, vou sentindo esta manhã de fevereiro, tão clara e quente, entre lembranças e constatações. As lembranças que me vêm agora, me refletem menino, na tarefa de encapar os cadernos e os livros; de identificá-los, com minha letra juvenil, e de guardá-los na bolsa de couro, onde os portava para a escola ou os colégios: Escola Modelo; Colégio Ateneu e Liceu Maranhense.

A mim, inebriava-me o cheiro dos livros novos, dos cadernos. Não havia tarefa mais envolvente e prazeirosa do que encapá-los. Medir o papel pardo ou celofane, cortar com tesoura fina, depois ir dobrando e colando, bem espichado, para ficar liso, limpo, lindo. Depois, vinha a tarefa de identificá-los, com letras, com desenhos, destinando cada qual a seu uso. Caderno de cópia, de caligrafia, de cálculo, de ditado. Todos eram identificados e guardados, prontos para o uso cotidiano.

Nunca me desprendi do cheiro do livro e do caderno novo. Tudo tinha encanto, naquelas páginas impressas, naquelas páginas em branco, aonde íamos escrevendo as tarefas da escola e os deveres de casa.

Fiquei preso a esse odor de papel novo e tinta, até hoje, e vou levar comigo esse encanto. O encanto de abrir, ante o nariz e os olhos, um livro novo e folheá-lo, deixar que dele se desprenda aquele aroma de passado, de presente, de futuro, impregnados na folha nova de papel.

Não era somente esse o encanto das aulas, seu início, seu retorno. Estava também nos lápis, nas borrachas, no apontador, na régua, na tabuada. Estava nesse material que era comprado, quase sempre, na Livraria Borges, na Rua do Sol ou na Colegial, no Canto da Viração.

Mas havia outro ponto de paixão e orgulho. Era o uniforme. Sim, o uniforme escolar que minha mãe, a mais exímia costureira da cidade, fazia para nós, seus filhos, em idade escolar. Era a farda, sempre nova, impecável, sempre limpa, para que estivéssemos bem compostos.

Tia Alzira era quem bordava as letras que identificavam a escola, as estrelas ou linhas que identificavam a classe, o ano que estávamos cursando. Como era bom, receber elogios dos professores, a admiração dos colegas pelo apuro de nossos uniformes. Como era bom poder dizer, em alto e bom som, que eram feitos por minha mãe. Ela que era a mais ágil, a mais doce, a mais aguerrida, a mais carinhosa das mães, a mais a paciente das mulheres. Viver é aprender com o tempo!

Aprendi que a vida é um caminho de renovados rumos, que se perpassam entre lembranças, sonhos e realidade, trazendo e levando nossos momentos de felicidade. Benditos os jovens que estão retornando às aulas. Benditos seus colégios e seus professores. Bendita a vida que nos põe, neste momento, a lembrar. Benditos os pais que tanto sacrifícios fazem, pelos filhos. Bendita a família que constrói a esperança e o futuro. Amar a cidade é ver o futuro nos jovens. É preciso amar a cidade.

(Crônica publicada no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, Coluna: Hoje é dia de…, em 10/02/2008).

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