Em louvor a São João

 

São João 2016Estamos em plena semana das festas de São João. O tempo, que a tudo modifica, a tudo transforma, também operou mudanças no espírito dessa festa, que ocorre em quase todo o nosso País.

Excluindo o Natal, de longe, ela é a mais bela e mais intensa do nosso calendário popular, porque é, também, uma festa da família. Tem uma motivação devocional, envolvendo promessas, e traz crendices consigo, tornando-a mais arraigada na memória e na alma do povo.

Por conta disso, suas festividades não acontecem somente nos arraiais, onde estruturas de palcos são montadas, onde barracas de palhas são erguidas, onde bandeirolas coloridas são estendidas, servindo de adereços. Esses arraiais, organizados pelo poder público, nos últimos anos, têm sido os grandes destaques dessa festa, por oferecerem segurança, programação diversificada; por estimularem apresentações de brincadeiras, com o pagamento de cachês, e por reunirem uma gama imensa de pessoas que se revezam, durante seus dias de programação.

Mesmo, quando esses arraiais eram em número muito maior e estavam em locais muito bem distribuídos, as festividades de São João sempre aconteceram, também, em ruas inteiras, nos bairros. Aconteceram com fogueiras acesas, com as parcerias solidárias de seus moradores, promovendo bingos, produzindo as comidas, enfeitando as ruas. Assim, vivenciando suas crenças, seus prazeres, sem o incômodo de se deslocarem para outros locais, muitas vezes, mais distantes, mais onerosos e mais ariscados, também.

Quando eu era menino, as festas de São João aconteciam distante de nossa casa, que ficava na Rua de Santaninha. Aquelas festas, com tudo o que havia de mais sagrado e mais popular, reinavam no João Paulo, em torno de sua praça principal. Era lá que o povo se concentrava, vindo de todos os recantos da Ilha, para ver os bumba-meu-boi que espalhavam o brilho de seus canutilhos, de seus paetês, de suas lantejoulas, pelas retinas de nossos olhos embevecidos. E encantavam as estrelas com o som de suas matracas, de seus pandeirões, de seus tambores-onça, de seus zabumbas, de seus pistões afinados.

Naquele tempo, ainda havia balões coloridos subindo na escuridão da noite, para cair no mar, talvez, distante de nossos olhos. Alguns deles, provocaram queimadas em casebres e a polícia os tornou proibidos. Havia também as fogueiras que iluminavam as ruas, e nos serviam de local para a celebração dos compadres. Era preciso dar as mãos, sobre as fogueiras minguadas, e dizer: São Pedro, São Paulo, São Felipe, São Thiago: todos os santos do céu sejam testemunhas que fulano (dizia o nome da pessoa) é meu compadre .

Para chegar ao João Paulo era preciso ir de bonde ou de automóvel, pois ficava muito distante, bem depois do Areal, que hoje se chama Monte Castelo. Íamos, com papai e mamãe, acomodados na corroeria da Dodge azul que possuíamos, e que serviu nossa família por muitos anos.

Posso afirmar que íamos até ali, num dia especial de junho: acho que São Pedro, quando todos os bois se juntavam e tocavam, naquela praça, sem rivalidades aparentes, até amanhecer. Nunca ficamos até o amanhecer, mas com certeza, entrávamos pela madrugada à dentro, ouvindo toadas, ritmos, e, muitas vezes, adormecíamos na carroceria do nosso veículo, esperando a hora que os adultos quisessem voltar para casa.

Desses passeios, as lembranças mais cálidas e mais permanentes estão na algazarra que fazíamos, quase todos os irmãos e alguns amigos, na carroceria daquela caminhonete. Quem jogava bomba-de-parede jogava. Quem jogava estrepa-moleque jogava. Quem jogava bomba-de-murrão jogava. E todos nos divertíamos com os pulos, as faces de espanto que os transeuntes faziam, quando eram surpreendidos por um pavio aceso ou por um estrondo de uma bomba-de-parede.

Vem dessa época todo o meu envolvimento com as tradições populares, ainda que eu não soubesse o significado daqueles homens, cobertos de penas, de veludos e brilhos, que se moviam diante dos meus olhos. Ainda olhava o Mundo com olhos de criança, para quem tudo é apenas festa, sem grandes indagações e sem penetrar no conteúdo das coisas, para compreendê-las melhor.

Festejemos São João, como todos os anos, ao som das matracas, das orquestras, dos zabumbas, das “quadrinhas”, em paz e com devoção.

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