Os alegres mensageiros das manhãs

 

Bem-te-vis novaDa cortina de vidro do escritório onde escrevo, em nosso apartamento, vejo a janela da manhã que se abre sobre o dia. Estamos no bairro Renascença. São quase oito horas de sexta-feira. A manhã, cinzenta, ainda tem o frescor da madrugada, bem longe das manhãs do último dezembro. Tão plenas de luz e calor!

Prenúncio de chuvas, talvez! Concluo que sim, enquanto escuto o alegre, triunfal e estridente canto dos bem-te-vis que, todas as manhãs, vêm nos desejar bons dias e depois se vão. Às vezes, não os vejo, apenas os escuto. Mas os reconheço, porque conheço e distingo seus cantos. Porque, quando os vejo, sou capaz de dizer-lhes: -Bom dia! E ouço, e sinto quando eles me respondem: -Bom te ver! -Bom dia! -Bem-te-vi!

Creio que poucos pássaros têm o canto tão claro e forte, tão alegre e contagiante, como os bem-te-vis. Afirmo, portanto, que é um privilégio, a essa altura da aridez que as cidades vão incorporando a seu corpo físico, poder registrar a presença desses mensageiros matinais, que anunciam o dia e propagam uma alegria sonora e gratuita.  

As manhãs que sucedem seus cantos, quase nunca lhes desmentem. Vão-se enchendo de luz e som, de canto e sinfonia. Essa sinfonia, no entanto, não toma muito espaço nessas  manhãs. É apenas um canto de saudação, uma mensagem de otimismo para quem a ouve e, com certeza, para quem a executa, também, como uma tarefa de missão de sua própria espécie.

O que vem depois é silêncio. Um silêncio de nos tornar reflexivo, de nos incitar a um mergulho na própria alma, buscando identificar, também, nossa tarefa de missão, em nossa própria vida.

Que sinfonia tocar para alegrar as pessoas? Que canto, que sibilo, fazer troar para entreter, para atrair a atenção de nossos semelhantes; para dar exemplo; para, de certo modo, trilhar um rumo alternativo, que nos permita e lhes permita uma autenticidade positiva, enchendo de luz as manhãs e os dias daqueles que possam nos seguir.

“Alguém vem atrás de ti. Alguém te segue. Alguém se inspira em teus exemplos. Alguém vê as pegadas que deixas e te segue, talvez por não conhecer outro caminho”.  Nenhum caminho se faz sem rastros. E os rastros que deixas com tuas palavras, com teus gestos, com teus passos, constituem a marca de tua passagem, onde quer que estejas, onde quer que andes, ainda quando não percebas. Por isso, é preciso que nossos passos, como nossos pensamentos, devam ser luminosos, como o caminho que escolhermos seguir.

Todos nós somos fontes de energia e espargimos luzes. Mas como nossa visão é seletiva, seguindo orientação de nossa memória, só conseguimos ver, finalmente, aquilo que queremos ver, aquilo que nos interessa. O interesse nos outros, portanto, deve ser uma das diretrizes prioritárias de nossa vida.

“O que torna belo o deserto é que ele esconde um poço, em algum lugar”, reflete o Principezinho de Exupéry. Isso mesmo! O que nos torna belo é que escondemos um oásis, em algum lugar do deserto que, aparentemente, guardamos, dentro de nós. 

É nesse oásis que, quase sempre, dorme a nossa capacidade de amar, que precisa ser exercitada para crescer, para se diversificar, para ser reproduzir; para enfim, brotar e dar frutos. Diz o padre Antônio Vieira: “um amor, naturalmente, clama por outro. E não há coração tão surdo, que chamado não ouça; nem tão mudo, que se ouviu não responda”…

O amor, no entanto, não é uno. Ele é diverso, em sua natureza e forma, dentro e fora de nós. Mas, o verdadeiro amor é conhecimento e revelação, em sua gênese e existência. O amor precisa do conhecimento e da revelação para existir e fazer brotar seus frutos.

Diz o texto de uma bela canção, de nossa música popular: “Se eu não te amasse tanto assim/Talvez não visse flores, por onde eu vim/Dentro do meu coração. Se eu não te amasse tanto assim/Talvez perdesse os sonhos, dentro de mim/E vivesse na escuridão”. Esse é um belo testemunho de como o amor é conhecimento e revelação.

Olho para o encanto de nosso lar, longe da paz de nosso apartamento. Já é sábado. Estamos no paradisíaco Caúra, sob as benções de nossos anfitriões, Nelma e Ronald; ungidos por uma sinfonia verde: no mar, nas plantas e nas palmeiras, sacudidas por ventos e maresia, onde concluo esta crônica.

Nosso pequeno Caio ainda dorme. Meu amor, porto de chegar e partir, todos os dias, para meus sonhos e minhas esperanças, já desfraldou as velas de minha felicidade, cotidiana, e iluminou meus pensamentos com sua espiritualidade, sua luz, sua plenitude feminina.  O canto do bem-te-vi, enquanto pássaro e suas mensagens, é a mais pura sinfonia desta manhã.

Nota: Artigo publicado no Jornal Pequeno, em 08.01.2016, na coluna que o autor assina, às segundas-feiras.

                     

2 thoughts on “Os alegres mensageiros das manhãs

  • 13 janeiro, 2016 em 9:36
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    Belo texto que confirma, mais uma vez, a competência literária do meu querido amigo e irmão de décadas.

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  • 13 janeiro, 2016 em 9:44
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    Obrigada por compartilhar tal sentimento, de uma beleza enorme, e ver que um simples amanhecer é grandioso.

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