A Lagoa

 

 Narciso 2

 

 

(Fala Zé Mingau, o amante desprezado)

 

Levei três mês iscavando 
uma cacimba bem funda, 
pra meu roçado moiá! 
Mas porém, já tão cansado, 
prú mais que a terra iscavasse, 
não achei d’água siná!

 

Há muinto tempo, cabôca, 
cum a inxada da minha mágua 
eu cavo im teu coração, 
sêco, sêco, sempe sêco, 
que não dá um pingo d’água, 
nem um só, prú cumpaxão.

 

Há munto tempo o roçado 
já morreu isturricado, 
pur causa do meu pená! 
E a minha dô inda cava 
na cacimba do teu peito … 
E cuntinua a cavá!

 

(Fala Mané Barriga de Sapo, um velho marrueiro, que ouviu o seu lamento amoroso.)

 

Zé Mingau! “Pruquê razão 
tu tá triste e jururú, 
nem que fosse um bacurau?

A Fortunata Carú 
te dêxou, te disprezou 
pulo ‘Chico Birimbáu?

Não te acagíba, perdôa! 
Não pàga a pena pená!’ 

 

Marrueiro, marrueiro,

Nesse mundão de cabôca

Nunca vi uma fié.

A muié sem farsidade

Pode inté ser uma santa,

Mas, porém não é muié.

 

Tu não tá vendo aquela lagôa 
Que fica ali, naquela baxa, aculá?
Óia, chega à ribeira,

Óia prô fundo das água, 
Ispia que tu verá 
A cara da tua cara 
Lá no fundo a ti ispiá! 
Enquanto tu tá oiândo, 
Ela tá sempre a ti oiá, 
Mas quando tu te arretira, 
Eu juro prú São Jerôme 
Que tua cara se assôme, 
Que não fica sombra inté! 
Aquilo que fez cuntígo, 
ispeiando teu sembrante, 
faz cum tôdo caminhante, 
o prêmêro que vinhé!
Apois oiá, essa lagôa 
é o coração das muié!!!

(Fala Sebastiana Calunga, que ouviu os dois, sem ser vista)

 

Zé Mingáu! Êste fubéca 
tá dizendo farsidade! 
Toda a muié, quando péca, 
não é prú sua vontade! 
É prú via dêsse cabra, 
que nos fére, sem piadade! 
Esta históra da lagôa 
não tá dento da verdade! 
Apois, se o hôme chegasse

À beira duma lagôa,

E só nela se olhasse,

E ali ficasse de inspia,

Dia e noite, noite e dia,

Eu juro prú Jesus Cristo

E a santa Virge Maria

Que a cara do discarado

Nunca mais de lá saía.

 

Mas se im tôdas as lagôa, 
d’água limpa ou xavascá, 
O hôme qué vê a cara, 
O hôme qué si oiá… 
Eu vou fechá minha bôca, 
pruquê, rapaz, tu bem sabe 
adonde eu quero chegá.

 

Autor: Catulo da Paixão Cearense

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.